CHÁ DA TARDE.
O velho padre Eustáquio deixou a sacristia da matriz. Deu um até logo ao sacristão que lustrava os cálices. Fez o sinal da cruz e saiu da igreja. Caminhou duas quadras e chegou a casa paroquial. A residência tinha um cheirinho agradável. Ele foi até a cozinha. -" Bom dia, senhor padre. O bolo está pronto." O padre ergueu as mãos. -" Grato, Zéfinha. Você tem mãos divinas." A cozinheira trabalhava alí há 30 anos. Quarta feira era dia do chá da tarde da Liga Católica, fundada pelo vigário sexagenário. A idéia do chá também foi dele. O bolo de aipim do padre era tradicional no evento das quatro horas da tarde. Zéfinha comprava a macaxeira na banca de Seu Oswaldo, na feira da rua das Rosas. Começava a fazer o bolo cedinho, ralando a mandioca. O bolo saía alto e fofinho. Apenas as pessoas mais importantes participavam da Liga e de seu chá da tarde. Era um sinal de status. Chegar atrasado ao evento era um sacrilégio. Não elogiar o bolo do padre era um pecado. A cidade cresceu e os membros da Liga também. No salão paroquial, o padre e o sacristão conferiam o café e as vinte e seis cadeiras dos membros honorários. O prefeito Januário e sua esposa foram os primeiros a chegar. Pediram a bênção ao vigário e ocuparam seus lugares. Em seguida chegaram o juiz de paz Roberval, o boticário Ernesto, o dono do armazém Jaiminho, a líder do grupo de oração Florinda, o delegado Marcel, o jornalista Olegário e outros figurões da cidade. Cada um trazia um prato com guloseimas. A mesa ficou repleta de delícias. Ter seu prato elogiado pelo vigário era o êxtase e um prêmio mas isso era raro. Aconteceu com os bolinhos de chuva de dona Gertrudes, a esposa do médico Tabajara; com deliciosas rosquinhas de dona Florinda e com os sonhos de dona Maria Janete, esposa do boticário, que passaram a ser tradicionais no evento. O vigário deu as boas vindas aos presentes. Em seguida fez uma oração. O sacristão leu a ata da reunião. Dona Florinda, segunda secretária, anotava tudo em sua agenda. Uma hora depois, os presentes já tinham debatido os temas relevantes. O vigário deu fim a reunião. -" Amigos, a hora chegou. Obrigado, Senhor, pela reunião e por dirigir nossa urbe no caminho da paz. Dê pão a quem tem fome e fome a nós, que temos pão! Vamos comer!!!!" Sorrisos e aplausos efusivos ao vigário. Dona Florinda, sessenta e dois anos, passeava pelo salão, servindo uns e outros, sempre simpática. Era a pessoa mais bem informada da cidade. Duas horas de confraternização e muitas conversas. -" Um evento memorável, senhor padre. Um bolo de aipim dos deuses, digno de ser degustado pela nobre rainha da Inglaterra!!!" Disse o prefeito bajulador. Um a um, os membros da Liga foram embora. Dona Florinda se aproximou do vigário. -" Desejo me confessar, senhor padre!!!" O padre sorriu. -" Amanhã às dez horas! Na casa paroquial, como fazemos há décadas." No dia seguinte, o vigário e dona Florinda conversavam, trancados no escritório. -" A modernidade chegou, cara Florinda. Tenho saudades das missas em latim. Vi um caminhão de mudanças no bairro do Limoeiro. A cidade cresceu e o bispo quer fazer duas capelas." A velha senhora limpou os óculos. -" Ainda temos o controle mas até quando? Devíamos tirar esse prefeitinho, como fizemos com o outro." O padre serviu-se de água. -" Calma, minha amiga!!!! Conte-me tudo das demais novidades!!!!" E era assim que o vigário ficava sabendo da vida de seus paroquianos. Duas horas depois, dona Florinda saiu da casa do padre. Ao atravessar a praça, olhou com desprezo para o bêbado Juvenal, ao lado da fonte luminosa. Ele a encarou. -" A cidade tem prefeito e delegado mas quem manda mesmo é o vigário e essa jararaca aí!!!" Gritou o bebum. A velha senhora fez de conta que não ouviu e seguiu seu caminho. F I M