O IDOSO NO CONFISSIONÁRIO
Atualmente recordo com saudade, minha convivência com diversos personagens que em tempos passados fizeram parte da minha história. Os quais enfrentamos juntos a dura realidade na vida rural. Mais de meio século se passou, no entanto, parece ter sido ontem.
Nossa mente é um dos mais brilhantes milagres da criação de Deus. Capaz de guardar em seu arquivo uma diversidade de acontecimentos. Bastam-nos abrir a janela da alma e puxar uma das gavetas de lembranças, que nos deparamos com um verdadeiro memorial de recordações, com paisagens, suas cores, sabores, imagens, as falas. Somos capazes até mesmo de reconhecer o tom de voz que identificava cada um de nossos antepassados, seu porte físico, seus gestos, atitudes e etc. Momentos revividos que machuca o coração, mas vale à pena recordar.
Na colheita de mil novecentos e sessenta e oito, iniciei minha atividade comercial, vendi uma pequena safra de feijão. Com o valor apurado, que, aliás, não era muito, se eu comprasse uma balança que era indispensável não restaria nada, para iniciar. Optei então pelos gêneros secos e molhados. Adquiri onze intens. De mercadorias básicas. Espalhadas sobre caixotes num quarto, cuja porta dava acesso a sala de minha residência. E com uma balança empresta por meu sogro. Sobre uma mesinha servindo-me como balcão, eu atendia um cliente de cada vez.
Aos domingos minha sala ficava cheia de clientes. O item mais comercializado sempre foi à cachaça. Mas para evitar discórdias, não era permitido a ninguém ingerir a dita cuja no local, eu só vendia garrafa fechada, um fator que sempre contribuiu para que o caboclo se apressasse em tomar o caminho de casa ao ser atendido, e sair bebendo umas otras por seu caminho afora.
Certo domingo, a sala cheia, eu os atendendo por ordem de chegada, logo um senhor já idoso portador de uma hérnia enorme, começou uma brincadeira coordenando a fila e dizendo estarem na fila de um confessionário. Assim que um terminava suas compras ele chamava o próximo pelo nome dizendo: -
--Agora é você fulano vá se confessar!
Encerrando, após todos atendidos, tomaram o rumo de suas casas em fila indiana, teriam que atravessar o milharal, cada um com seu saco de compras nas costas e no ombro uma capanga contendo seu litro de pinga.
No meio deste trajeto, nós construímos um ranchinho beira chãos pra nos abrigar das grandes e saudosas chuvas, que caíam em abundancia, “para alegria nossa, os roceiros”, pois bem ao passarem defronte ao rancho. Zé Rosa, o idoso coordenador do grupo de confessas, exclamou:
--Olha pessoal nós que confessamos lá na venda, agora temos que entrar nessa capelinha e tomar a comunhão!
Entraram no ranchinho colocaram seus litros de pinga sobre uma enorme tora de madeira usada como mesa e beberam bastante, ao saírem Zé Rosa ficou para traz ajeitando a tampa de seu litro
Bem na cumeeira tinha uma caIxota de marimbondo barriL, Zé Ataíde um mulato alto muito moleque passou a mão desmanchando a casa dos marimbondos e disse:
-- E na saída da igrejinha tem que tocar a campainha!
Os marimbondos se juntaram todos na cabeça do pobre velho afro-brasileiro, seu cabelo muito crespo enroscado ficou pior que casa de abelhas arapuá.
À tarde La pelas quatorze horas, com um sol ardendo, daqueles de arrebentarem mamonas, ele me apareceu:
-- O senhor tem compromido? Sua cabeça parecia uma roda de carro de tão inchada, perguntei a ele-, mas o que isso sô Zé?
-- Foi o paiáço do Zé Ataíde aquele desgraçado sem coração, mais ele me paga, aquele maldito fio do capeta!
Arrumei a ele os comprimidos. Penalizado do pobre velho, eu atrelei o cavalo a charrete, o levei a sua casa, ele ardendo de febre num sol escaldante, poderia até morrer caminhando mais de dois quilômetros e ainda carregando o peso de uma assustadora hérnia entre as pernas, na sua região escrotal.
Atualmente recordo com saudade, minha convivência com diversos personagens que em tempos passados fizeram parte da minha história. Os quais enfrentamos juntos a dura realidade na vida rural. Mais de meio século se passou, no entanto, parece ter sido ontem.
Nossa mente é um dos mais brilhantes milagres da criação de Deus. Capaz de guardar em seu arquivo uma diversidade de acontecimentos. Bastam-nos abrir a janela da alma e puxar uma das gavetas de lembranças, que nos deparamos com um verdadeiro memorial de recordações, com paisagens, suas cores, sabores, imagens, as falas. Somos capazes até mesmo de reconhecer o tom de voz que identificava cada um de nossos antepassados, seu porte físico, seus gestos, atitudes e etc. Momentos revividos que machuca o coração, mas vale à pena recordar.
Na colheita de mil novecentos e sessenta e oito, iniciei minha atividade comercial, vendi uma pequena safra de feijão. Com o valor apurado, que, aliás, não era muito, se eu comprasse uma balança que era indispensável não restaria nada, para iniciar. Optei então pelos gêneros secos e molhados. Adquiri onze intens. De mercadorias básicas. Espalhadas sobre caixotes num quarto, cuja porta dava acesso a sala de minha residência. E com uma balança empresta por meu sogro. Sobre uma mesinha servindo-me como balcão, eu atendia um cliente de cada vez.
Aos domingos minha sala ficava cheia de clientes. O item mais comercializado sempre foi à cachaça. Mas para evitar discórdias, não era permitido a ninguém ingerir a dita cuja no local, eu só vendia garrafa fechada, um fator que sempre contribuiu para que o caboclo se apressasse em tomar o caminho de casa ao ser atendido, e sair bebendo umas otras por seu caminho afora.
Certo domingo, a sala cheia, eu os atendendo por ordem de chegada, logo um senhor já idoso portador de uma hérnia enorme, começou uma brincadeira coordenando a fila e dizendo estarem na fila de um confessionário. Assim que um terminava suas compras ele chamava o próximo pelo nome dizendo: -
--Agora é você fulano vá se confessar!
Encerrando, após todos atendidos, tomaram o rumo de suas casas em fila indiana, teriam que atravessar o milharal, cada um com seu saco de compras nas costas e no ombro uma capanga contendo seu litro de pinga.
No meio deste trajeto, nós construímos um ranchinho beira chãos pra nos abrigar das grandes e saudosas chuvas, que caíam em abundancia, “para alegria nossa, os roceiros”, pois bem ao passarem defronte ao rancho. Zé Rosa, o idoso coordenador do grupo de confessas, exclamou:
--Olha pessoal nós que confessamos lá na venda, agora temos que entrar nessa capelinha e tomar a comunhão!
Entraram no ranchinho colocaram seus litros de pinga sobre uma enorme tora de madeira usada como mesa e beberam bastante, ao saírem Zé Rosa ficou para traz ajeitando a tampa de seu litro
Bem na cumeeira tinha uma caIxota de marimbondo barriL, Zé Ataíde um mulato alto muito moleque passou a mão desmanchando a casa dos marimbondos e disse:
-- E na saída da igrejinha tem que tocar a campainha!
Os marimbondos se juntaram todos na cabeça do pobre velho afro-brasileiro, seu cabelo muito crespo enroscado ficou pior que casa de abelhas arapuá.
À tarde La pelas quatorze horas, com um sol ardendo, daqueles de arrebentarem mamonas, ele me apareceu:
-- O senhor tem compromido? Sua cabeça parecia uma roda de carro de tão inchada, perguntei a ele-, mas o que isso sô Zé?
-- Foi o paiáço do Zé Ataíde aquele desgraçado sem coração, mais ele me paga, aquele maldito fio do capeta!
Arrumei a ele os comprimidos. Penalizado do pobre velho, eu atrelei o cavalo a charrete, o levei a sua casa, ele ardendo de febre num sol escaldante, poderia até morrer caminhando mais de dois quilômetros e ainda carregando o peso de uma assustadora hérnia entre as pernas, na sua região escrotal.