Vai com as louras
Enfim chegou o Carnaval, bem no meio da estação mais alegre do ano. Mas, o povo não estava muito contente. O calor estava desumano, a situação econômica andava difícil, e todo mundo ansiava por uma válvula de escape para as amarguras da vida.
Lembro que estava com uns amigos em um bar de esquina, no esquenta tradicional do Bloco "Vai com as louras". Sabia que era uma agremiação mediana de subúrbio, mas nunca tinha estado lá. Meus colegas de rua, rapazes no auge dos vinte e poucos anos, resolveram dar um "confere" nas minas daquelas paradas. Queríamos variar o cardápio, se é que me entendem. Tínhamos chegado antes dos instrumentos da banda, coisa típica de bairrista desinformado, mas à medida que os foliões se aglomeravam, o suor começava a escorrer, deixando um cheiro característico no ar. Precisávamos nos hidratar com uma cerva bem gelada, ao menos até os repiques darem os primeiros sinais de vida.
Acabei bebendo além da conta, antes que as marchinhas começassem a tocar. Meus amigos tentaram me conter, preocupados que eu pudesse fazer alguma besteira colossal da qual pudesse me arrepender, mas eu não dei ouvidos e berrei aos quatro ventos que não iria sair daquele dia sem uma costela para esquentar minha noite.
Quando o bloco saiu, segui como pude. Tropecei aqui, esbarrei acolá, mal conseguindo me manter em pé direito e tampouco enxergando o que estava a minha frente. Acabei me perdendo do grupo, e com tudo embaçado pelo álcool, agradeci de coração aquela mão que me sustava pela cintura, ajudando-me a pular na empolgação da galera que empurrava por trás. Estava feliz. Não estava sozinho e nem pensava mais nas contas que não tinha dinheiro para pagar.
A dispersão do bloco se deu horas depois, bem à noitinha e perto de um beco. Devia estar a umas dez quadras de casa, mas nem sinal dos meus amigos. Soube, depois que eles tinham se ajeitado com umas loirinhas durante o desfile e que foram leva-las em casa. Enquanto o povo dispersava, vi-me de repente esmagado contra um muro pela morena que me arrastou pelo desfile. Ela se empoleirou no meu pescoço, ao mesmo tempo em que enfiava sua língua áspera em minha boca.
“Ops! Êpa! Peraê!”
Num segundo fiquei sóbrio, passando a enxergar tão bem como se tivesse removido a catarata de toda uma vida. A primeira luz de um farol percebi que a morena que me arrastou por todo aquele tempo era um hipster cabeludo vestido de mulher. Ele tinha um gogó enorme! O álcool evaporou instantaneamente da cabeça e do fígado. Não tinha pasta de dentes no mundo que pudesse lavar da minha boca meu orgulho hétero ferido.
O cara era grande e sacou logo meu constrangimento. Eu estava encurralado, e envergonhado demais de mim mesmo para ser ignorante, ainda mais porque sabia que eu não daria conta daquele cara enorme e mostrar o quão macho eu era. Mas, até que ele foi legal comigo. Cuidou de mim, disse palavras de conforto e queria até me levar em casa, eu é que não deixei. Isso seria um pouco demais.
Decidimos tomar uma saideira e bater um papo para quebrar o gelo. Depois, mais relaxado, descobri o significado do nome do bloco "Vai com as louras". É que os caras "flex", como ele, saem sempre vestidos de morenas - era um bloco alternativo. Meus amigos bem que tentaram me avisar, mas acho que o álcool também tem o efeito de ensurdecer as pessoas.
Por fim, trocamos telefones, e-mails e tiramos uma foto juntos. Marcamos de nos encontrar no mesmo bar na próxima semana. O camarada era gente boa. Tinha uma pele macia, o cabelo brilhante e super sedoso.
Fim