O carnaval e a dívida
Faltavam dois dias para a chegada do carnaval. Juliano, um sujeito muito honesto, funcionário público de carreira do município, estava preocupado e falou com a esposa:
- Edite, amanhã é o dia de quitar o cheque do Sr. João da Arapuca. Ele é muito rigoroso e bravo. Não gosta de atrasos. Porém, o pagamento do município ainda não saiu por causa do carnaval. O dia do crédito será na quinta-feira, após as festividades. Teremos que passar as festividades com os bolsos vazios.
- É mesmo, Juliano. O meu também não saiu. Será creditado logo após o carnaval. Ainda bem que deixei uma pequena reserva dentro da carteira. Poderemos comprar alguma coisa e comer o churrasquinho da Barraca da Baiana.
- É verdade, mas se ele chegar, como vou dizer-lhe que o dinheiro não foi depositado. Ele vai gritar, xingar e me dizer um monte de besteira. Ele é um sujeito rude, muito apegado ao dinheiro. É muito rico e empresta a juros.
- Sim, mas ele terá que nos compreender.
Passou a quinta-feira e também a sexta-feira. O expediente de trabalho dos dois se encerrou e até as vinte horas da sexta-feira, o cobrador não apareceu para buscar o dinheiro. Para o casal, foi como acertar na loteria. Poderiam passar o carnaval sossegados e se divertirem com a reserva da esposa, guardada na bolsa.
No sábado de manhã, eles foram ao supermercado e fizeram as compras do mês. O pagamento foi realizado com o cartão de crédito. Foram até as casas dos pais de cada um e somente retornaram ao lar pelo anoitecer.
O tempo estava bastante fechado, pois uma forte chuva cairia na cidade, conforme dados do site Climatempo. Naquela noite, eles não sairiam e mandariam os dois filhos para a casa do tio de Edite, a uma fazenda próxima da cidade. Eram apenas dez quilômetros de distância e foram com a irmã de Edite. As duas crianças passariam as festividades na fazenda.
- Esta casa está muito triste sem as crianças. Murmurava Juliano a todo momento.
- Elas não querem participar das festas. Elas gostam bem da roça. É melhor, porque poderão descansar mais e terão um bom rendimento nas aulas que estão iniciando. Será muito bom para elas, pois correrão, brincarão, andarão de cavalo e sem falar que minha tia gosta muito delas.
- É verdade. Saiu Juliano para o quintal e viu que um clarão forte brilhou no céu.
- Vai cair muita água.
- Vamos deitar e esperar para amanhã. Terá o desfile dos times de futebol da cidade com os jogadores vestidos de mulheres, bloco do rio, escola de samba e à noite, vamos comer o churrasquinho na barraca da Baiana.
Os dois foram dormir, mas a casa deles era próxima do local das festividades. O som mecânico muito alto, carros que passavam pela rua, pessoas gritando, rindo, chorando, enfim, o barulho foi tanto que mal conseguiram dormir. Somente o sono chegou quando praticamente o dia estava clareando. Dormiram e acordaram por volta do meio dia.
Meio sonolentos e abrindo aos poucos os olhos, ouviram a voz do Sr. João da Arapuca, gritando o nome deles e a seguinte expressão:
- Tem gente na casa?
- Aqui é o João. Eu vim buscar o dinheiro do cheque.
As duas frases eram repetidas várias vezes. O som delas era tão forte que zuniam nos ouvidos do casal.
- Edite, o homem veio buscar o dinheiro. E agora?
- Espere, Juliano. Eu tenho uma grande ideia.
- Espere, Juliano. Eu ouvi falar que ele não faz nenhum tipo de negócio com quem está embriagado. Quem me falou foram ele e a mulher dele, há três semanas lá no posto de saúde. Ele detesta gente tonto.
- Edite, você me deu uma grande ideia. Vamos fingir que estamos tontos. Porém eu não bebo e nunca bebi. Parece que é a mesma coisa consigo. Vamos mentir e quem sabe dará certo?
Rapidamente o casal se levantou. Trocou de roupa e nem mesmo se pentearam. Cada um pegou uma garrafa vazia de pet que continha refrigerante. Puseram um pouco de água. Pegaram cada um o copo e abriram a porta.
- Bom dia Senhores. Com um sorriso entre os dentes e cheio de raiva, Sr. João os saudava.
Juliano, carregando a garrafa na mão direita e de vez enquanto a levava à boca, foi logo respondendo ao credor com uma música de carnaval. Ele cantava e rastejava a voz fingindo estar totalmente embriagado:
- Ei, você aí, me dá um dinheiro aí...
Ele cantarolava muito bem e o teatro da embriaguez começava a surgir efeito.
Edite, por sua vez, saiu cantando, da mesma forma do esposo outra música:
- Um pierrô apaixonado, que vivia só cantando...
O casal fazia o teatro como se estivessem todos bêbados. Rastejavam a voz e cambaleavam, escorando na parede e no portão da casa. Juliano até caiu. Rindo e cantando, ela foi socorrê-lo e disse bem baixinho ao ouvido:
- Continue, ele está acreditando. Vamos, continue...
Juliano pareceu mudar completamente de personalidade. Ele conversava como se estivesse tonto. Ela fazia o mesmo.
João, muito assustado ao presenciar aquela cena, arregalou os olhos e foi se afastando do portão. O veículo dele estava estacionado do outro lado da rua. Então, ele se afastando, com medo, disse em voz alta:
- Sábado que vem eu volto aí.
Quando o cobrador ligou o veículo e foi embora, o casal pulou de alegria e se divertiram. Fizeram mais uma cena de estarem totalmente tontos.
Eles aproveitaram o carnaval e saíram todos os dias. Comeram o churrasquinho da barraca da Baiana e se divertiram. Na quarta-feira de cinzas, foram à missa e na sexta-feira sacaram o dinheiro. Pediram para o afilhado do Sr. João levar o dinheiro e pegar o cheque de volta.