O gol de Adriano, eu e meu avô
Em 2004 a seleção brasileira ainda era a maior força do futebol mundial. Em 1994 o Brasil havia sido campeão do mundo e ali inciava uma geração que dominaria o mundo futebolístico por muito tempo. Em 1998 o Brasil chegou novamente a final, perdeu para a França e em 2002, voltou a final, dessa vez conquistando o penta campeonato, ou seja, até aquele momento, eu que tinha visto três Copas do Mundo e nas três o Brasil esteve na final.
Em uma época de Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho perder era algo raro. Então com essa confiança o Brasil jogou a Copa América de 2004. O problema foi que esses craques que acabei de citar não participaram da competição e o Brasil foi montado com um grupo mais jovem e com alguns jogadores que formavam um bom time, mas não eram nem de longe o nível daqueles que vinham rotineiramente vestindo a camisa canarinha.
O Brasil classificou em segundo no seu grupo atrás do Paraguaí, e por mais que pudéssemos ter esperança com as atuações de Luiz Fabiano, Adriano e Alex, no final eu olhava os jogos sempre desconfiado e suspirando: “Ah se o Ronaldinho Gaúcho estivesse em campo.” É compreensivo, em 2004 Ronaldinho Gaúcho era de longe o maior driblador do planeta, fazia gols extraordinários e tinha a Europa aos seus pés.
Na fase seguinte o Brasil pegou o México. Meteu 4 a 0. O Adriano arrebentou naquele jogo. Fez dois e deu passe pro Ricardo Oliveira fazer o terceiro. Enfim o Brasil passou voando. Na sequência, na semifinal, pegou o Uruguai e depois de um empate no tempo normal em 1 a 1, venceu nos pênaltis e se classificou para enfrentar a Argentina na final. E é nessa final que quero focar a minha crônica dessa semana.
Eu estava em casa assistindo a final. A Argentina saiu vencendo por 1 a 0. O Brasil empatou. Quando o jogo estava no 1 a 1, meu avô chegou.
Meu avô nunca foi muito ligado em futebol. Na sua velhice então, muito menos, tinha se reencontrado com a igreja e dividia seu tempo de velhice e enfermidades entre tocar violão, ler e ir à igreja.
Religiosamente ele passava lá em casa antes de ir para o culto. Com a bíblia em baixo do braço, ele entrou, falou alguma coisa com minha mãe e sentou no sofá em minha frente. Eu estava louco com aquele jogo que rugia em volume exagerado em nossa televisão de 14 polegadas.
A Argentina com seu time titular, dominava a partida, pressionava de todas as formas e o Brasil, se defendendo como dava. Tevez e D’Alessandro estavam voando na época. Como é de meu feitio, eu estava lá, praguejando, gritando, roendo as unhas e sofrendo fanaticamente. Meu avô só me observava e ria.
Ele levantou para ir para igreja no justo instante em que o cronômetro marcava 42 minutos do segundo tempo e a Argentina fazia 2 a 1. Eu, fanático gritei alucinado. Meu avô, por algum motivo se interessou. Largou a bíblia na guarda do sofá e voltou a sentar.
Dois minutos depois eu olhei para ele e lá estava o velhinho roendo as unhas. No final da partida, quando os Argentinos já estava comemorando, Diego levantou a bola na área, Luiz Fabiano disputou no alto e Adriano na sobra deu uma virada extraordinária e meteu a bola na rede. 2 a 2. Eu explodi em gritos. Meu avô saltou do sofá e gritou junto comigo.
No final o jogo foi para os pênaltis e o Brasil venceu. Juntos, eu e meu avô, vibramos em cada cobrança. Lhes juro que até ouvi alguns palavrões escorrendo dos lábios do velho. O Brasil venceu. Foi campeão. Gritamos juntos e comemoramos.
Depois do jogo, quando eu já estava mais calmo, meu avô olhou para mim e com um sorriso nos cantos dos lábios, saiu com essa:
- Quem que tava jogando?
Eu ainda lembro das palavras dele. Ouço o riso da minha mãe e ele justificando:
- Se meu neto está torcendo, eu também torço.
Aquilo me marcou profundamente. É umas das mais queridas lembranças que tenho de minha adolescência. Alguns dias depois, ele adoeceu, foi para o hospital e a morte ceifou qualquer chance de eu ver outro jogo com meu avô.