A beneficiária

Aberto o testamento de dona Lena Schmitz, austríaca por nascimento, brasileira por opção, seus poucos parentes não ficaram decepcionados. A velha senhora morrera viúva e o único filho falecera jovem, num acidente de automóvel. Portanto, o apartamento de dois quartos em Copacabana, a casa em Teresópolis, a Mercedes-Benz 280 CE branca, ano 1986, os valores da caderneta de poupança e o título do Country Club, foram repartidos irmãmente entre três sobrinhos-netos e uma prima em terceiro grau. Tudo parecia ir bem quando o tabelião chamou a atenção para o fato de que dona Lena também incluíra no testamento sua fiel cuidadora, Rosa, que efetivamente fora quem estivera ao lado dela desde cinco anos atrás até o fim. A presença de Rosa na leitura do testamento despertara certa apreensão entre os parentes de sangue, mas vendo-se contemplados com os principais bens da falecida, haviam relaxado novamente.

- E o que a Lena deixou para a empregada? - Quis saber Inga, a prima em terceiro-grau.

A resposta do tabelião deixou a todos em choque:

- Cinquenta por cento da herança.

- Nós quatro estamos dividindo 50% e a empregada fica com 50% só para ela? - Questionou o sobrinho-neto Ademar, que iria herdar a Mercedes-Benz.

- Isso é perfeitamente legal - informou o tabelião.

Rosa, que acompanhava a discussão sem dizer palavra, do fundo da sala, ergueu a mão.

- Seu doutor, se isso for dar confusão, eu aceito trocar a minha parte por outra coisa qualquer... a casa em Teresópolis, por exemplo.

- Nem pensar! - Protestou a sobrinha-neta Suely. - Eu é que vou ficar com a casa! Nem sei o que a empregada vai receber com os 50% dela...

- O que a prima tinha, além do que já sabemos, e que vale 50% do patrimônio dela? - Insistiu Inga.

O tabelião abriu uma caixa de madeira, que estava sobre a mesa à qual se sentara, e exibiu o conteúdo.

- Um par de sapatos?! - Espantou-se a sobrinha-neta Dagmar.

- Um par de sapatos dourados de baile, - informou o tabelião - produzidos por Stuart Weitzman. Esta é a herança da senhorita Rosa.

- Imagino que seja uma marca famosa, - retrucou altivamente Suely - mas jamais trocaria uma casa por isso!

- Boa tentativa, empregada! - Zombou Ademar. - Talvez você possa ir ao forró com eles e arrumar um namorado...

Rosa não respondeu: ergueu-se e foi receber sua herança.

- Assine este recibo, por favor - disse o tabelião para ela.

A cuidadora assinou meticulosamente.

- Uma recomendação - disse-lhe o tabelião. - Não use esse par de sapatos para nada, mesmo que fiquem perfeitos nos seus pés.

Puxou do bolso do paletó um cartão e o entregou à ela.

- Este é o meu telefone e o endereço do meu cartório. Se quiser vender os seus Stuart Weitzman, consigo comprador pra eles.

E, encarando os parentes de Lena Schmitz:

- Este par de sapatos possui 100 quilates de diamantes incrustados nas fivelas. Vale hoje algo em torno de 1 milhão de dólares.

- [16-01-2019]