Abri os olhos e a primeira coisa que notei foi a sutil claridade que invadia o quarto, olhei ao redor e não pude discernir o local onde eu estava. Mas sentia tranquilidade, uma tranquilidade que somente quando criança eu sentira.
Observei com mais cautela e percebi que reconhecia o local e senti com mais percepção o conforto familiar daquela cama. O roupeiro antigo onde se era possível entrar e se esconder por algumas horas, a cama macia e cheirosa onde deitava para ouvir histórias do Norte. Era o quarto de minha avó!
A tranquilidade era tão imensa que invadia minha alma. Eu não queria que a sensação terminasse. Não movi nem ao menos um dedo, poderia ser um sonho, poderia ser um deslocamento.
Aos poucos, os ruídos foram chegando aos meus ouvidos. O som do feijão na panela de pressão, da água sempre fresca correndo pela pia, a voz ruidosa do vendedor de rodos e vassouras. Tudo era real demais para que não estivesse ali.
Hesitei mais um pouco, mas cedi à tentação de me mover. Estava ansiosa para saber mesmo se era tudo real.
Ainda pude ouvir as vozes de meus tios e o tilintar das chaves de meu avô que chegava para o almoço, meu avô! A emoção foi tão grande que chorei. Ao sentar na cama, subitamente tudo girou, fechei os olhos. Ao abrí-los, eu estava de volta à minha cama com meus lençóis, cheiros e barulhos rotineiros de uma vida vazia e solitária. Fechei os olhos em busca da fenda que havia me devolvido à tranquilidade infantil, mas eu a perdera para sempre na ansiedade e na emoção de avançar um passo além do permitido.
Marília Francisco
Enviado por Marília Francisco em 10/01/2019
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