Para sua consideração

Quando cheguei ao estúdio na segunda de manhã, minha produtora, Gislaine, estava à espera sentada no meu escritório. Cumprimentamo-nos, e fingi que não estava curioso em saber o que ela fazia ali, tão cedo; Gislaine também deveria saber como eu me sentia, pois me deu um sorriso cheio de malícia.

- O que é esse sorriso de gato que engoliu passarinho? - Indaguei finalmente, após me sentar atrás da escrivaninha.

- "O Paciente Polonês": está rolando um boato de que a Maria Luíza Marques pode ser indicada ao Oscar de atriz coadjuvante - retrucou ela de um fôlego.

Juntei as mãos e respondi apenas:

- Uau.

Senão, vejamos: aquele era o primeiro filme de grande orçamento feito por Maria Luíza, então uma garota de 22 anos. E também fora a primeira vez em que trabalháramos juntos. Como assim, indicação para o Oscar?

- "O Paciente Polonês" é uma coprodução EUA-França-Itália-Brasil. Tecnicamente, conta como filme dos EUA - detalhou Gislaine. - Assim, a Maria Luíza pode concorrer ao Oscar contra as gringas.

Sim, eu sabia disso. Mas por mais que reconhecesse o talento da estreante, não conseguia vê-la brigando em pé de igualdade com Meryl Streep ou mesmo Penélope Cruz.

- Tem alguma coisa aí... de onde veio esse boato? - Questionei, cruzando os braços.

- Francisco Sandoval.

Ergui os sobrolhos. O produtor Francisco Sandoval era, provavelmente, a última pessoa interessada em ver decolar a carreira de Maria Luíza Marques, desde que a assediara e fora recusado por ela - com uma joelhada entre as pernas, para deixar bem claro a falta de interesse.

- Esquece, Gislaine, esquece... não vai rolar nada disso - declarei, descruzando os braços. - Sandoval está querendo é queimar o filme da Maria Luíza, fazer com que a mídia exija dela uma interpretação muito melhor do que ela pode entregar. Não vou entrar nesse jogo e peço a você que desminta cabalmente qualquer especulação que possa surgir quanto a isso.

- Achei que seria uma boa ideia para promover o filme... mesmo que não fosse verdade - reconheceu ela, decepcionada.

- Podemos promover o filme e lançar a Maria Luíza numa competição sem as peso-pesados que disputam o Oscar... - atalhei. - Algo em que ela tenha chances reais de vencer.

E dei ordens para que "O Paciente Polonês" fosse inscrito no Festival de Cinema de Jacarta, Indonésia, nas categorias de filme estrangeiro, direção (eu) e atriz (Maria Luíza).

Na cerimônia de premiação em Jacarta no ano seguinte, tenho que admitir que Maria Luíza estava estonteante numa kebaya de seda verde. Não nos ajudou no Oscar, mas rendeu boas capas de revista no Brasil.

- [09-01-2019]