Um carro explosivo

Na cidade praiana de Literacity, nos últimos dois anos Tonito perdeu quatro carros levados, claro, pelos “donos das ruas”, por ser uma região muito violenta, mas esses veículos sempre estavam com o seguro em dia.

“Nunca reagir”, lembrava ele das orientações da polícia, para evitar maiores danos além da perda do automóvel. “Deixe levar, pois eles acham que são os donos, na verdade”. Complementava as orientações.

Especialista em explosivos, especialmente na formulação da TNT – trinitrotolueno, que é o nitrocomposto trinitrotolueno e seu nome químico é 2-metil-1,3,5-trinitrobenzeno, um sólido amarelo cristalino que tem um imenso potencial explosivo, pensou o que fazer para dar uma lição nessas pessoas que tomam o sonho e os bens de quem passa a vida toda trabalhando para adquirir um patrimônio, e num minuto vê sendo levado sem um mínimo de respeito e consideração pelo suor ou as dificuldades de alguém que comprou e pagou um valor e financiamento para aquisição de um transporte desse.

Um dia teve uma ideia. Comprou uma carcaça de um carro num ferro velho, arrastou para um lugar fora da cidade, pegou um manequim daqueles de loja, que fica vestido com roupa masculina, colocou uma mistura pequena do explosivo embaixo do banco do motorista, bem seguro, que seria acionado pela internet através de celular ou de computadores, após a digitação de uma senha por três vezes, no dispositivo criado num aplicativo instalado com essa finalidade.

No terreno, depois de instalar o artefato na carcaça do veículo, foi se afastando para mais de 1.000 metros, pegou o celular e acionou o dispositivo. Bummm! O carro foi pelos ares, e o banco do motorista passou pelo teto da chaparia, esbagaçando o manequim, que virou farinha. Fez mais dois testes com os restos da mesma carcaça. Deu tudo certo.

Pronto, tinha agora uma arma nas mãos. Com muito cuidado instalou no seu carro.

Continuou com as suas andanças, de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Passou uma semana, um mês, dois meses, quatro meses ... e nada.

Num domingo ao anoitecer, vinha chegando de bermuda com a digníssima em casa, após uma pequena viagem de final de semana ao sítio de um parente, parou o carro com apenas um ano de uso, potência 1.8 de motor, e que lembra muito o futebol, em frente da garagem, esperando o portão eletrônico abrir, quando pararam duas motos e saltaram dois rapazes muito nervosos gritando “perdeu, perdeu!”, Lembrou do não reagir etc. De costas, não reagiram.

Levantadas as mãos, celular dentro da meia do tênis, eles estavam muito apressados em levar o automóvel, como dizem os policiais “eles já pegam de encomenda”.

Entraram os dois no carro e os outros dois que pilotavam as motos seguiram em caminhos diferentes. Passada a agonia, o nosso paciente roubado entrou em casa, subiu para a varanda do 1º andar e com o celular na mão digitou uma vez a senha. Digitou pela segunda vez e pela terceira vez. Distante umas quatro quadras dali ouviu-se um pequeno estrondo localizado. Até hoje ninguém sabe o que aconteceu.

Ele trocou de roupa e foi à delegacia prestar queixa, e alguns dias depois o seguro restituiu o valor do veículo, por perda total, pois foi encontrado totalmente danificado, porque pareceu que os bandidos estavam carregando algum tipo de explosivo, e segundo os técnicos da perícia, por infelicidade foi detonado antes do previsto dentro do veículo. Uma tragédia.

Na região que o carro foi roubado, outras pessoas da vizinhança colocaram o mesmo dispositivo e ninguém sabe se os ladrões sabem, mas acabaram os roubos.

Com o sucesso do aplicativo, o criador mudou-se para outro país, levando com ele a tecnologia, que poderia ser fabricada com novas perspectivas em países que ainda não tem segurança para os cidadãos e cidadãs de bem da população.

(Lembro aos leitores: esta é uma obra de ficção).

- Conto do autor, no Livro Rapsódia de um contador de histórias, Editora Becalete, 2018.