Sigam-me os bons
Abiodun, nosso guia e motorista em Lagos, nos encontrou na recepção do hotel pontualmente às 8:30 h de segunda-feira. Retirou os óculos escuros e abriu um sorriso cheio de dentes luminosamente brancos.
- A que horas mesmo é a reunião de vocês com o Aguda? - Indagou.
- Aguda... se está falando do De Souza, está marcada para 10 h - retrucou Ferretti, franzindo a testa.
- Esse Aguda mesmo - confirmou Abiodun. - Bom, creio que chegaremos a tempo...
- Você crê? Qual é o caminho mais rápido para a Ilha? - Questionou Ferretti, enquanto nos instalávamos no banco traseiro do Honda Accord prata de Abiodun.
- A melhor opção ainda é a Terceira Ponte Continental - explicou o motorista, enquanto entrávamos no caótico tráfego matinal da capital nigeriana. E, parecendo ler nossos pensamentos, complementou com um imenso sorriso:
- Se está parecendo ruim para vocês, preparem-se que vai piorar!
Ato contínuo, ligou o rádio na The Beat FM, enchendo o veículo com os últimos sucessos dançantes da parada nigeriana. Já estávamos quase acostumados com o ritmo sincopado, e pedir para mudar de estação não soava como uma boa ideia. A música em alto volume parecia servir como paliativo contra o estresse, avaliou Ferretti; desde que você conseguisse entender o que os cantores estavam cantando, naturalmente. Além do inglês pidgin, o sotaque nigeriano contribuía para tornar a tarefa de decifrar as letras bastante difícil.
- Batuquem nas suas pastas! - Convidou-nos alegremente Abiodun. - Ajuda a passar o tempo!
Parecia estar dando certo, pois chegamos relativamente rápido à Oworonshoki, onde a Terceira Ponte começava. As duas mãos no volante, Abiodun olhou para nós pelo retrovisor.
- A ponte tem quatro pistas no sentido Ilha. Ainda estou pagando as prestações desse carro... algum problema se formos pela segunda pista?
Eu e Ferretti nos entreolhamos.
- O que há de errado com as outras três? - Questionei.
- A primeira à esquerda é segura, mas bem lenta. A segunda é relativamente segura, e mais rápida. A terceira é para quem está com pressa, tem carro blindado e não se preocupa em disputar espaço com os táxis e os ônibus Danfo...
Os motoristas nigerianos haviam elevado o verbo "costurar" no tráfego ao nível da alta costura.
- E a quarta? "Mad Max: Estrada da Fúria"? - Arriscou Ferretti.
- É uma versão piorada da terceira pista... volta e meia, alguém é cortado, ou bate, e desce para tirar satisfações. Sem contar que, quando chegamos na saída em Ebute-Metta, os motoristas da quarta quase sempre tentam passar na frente dos outros - e são bloqueados. O trânsito engarrafa, e a confusão é certa.
- Vamos pela segunda - conformou-se Ferretti.
Entramos na imponente Terceira Ponte, com suas oito pistas, quatro em cada sentido. Parecia uma mistura de Linha Vermelha com Ponte Rio-Niterói, comentei com Ferretti.
- É mesmo... olha ali a Maré - gracejou ele, apontando para uma comunidade de palafitas que se erguiam da lagoa de Lagos.
- Aquilo ali é Makoko - corrigiu Abiodun.
O trânsito no sentido Ilha estava lento, mas constante, até que começamos a ouvir um som de sirenes vindo da nossa traseira. Aí todos, à esquerda e à direita, começaram a se espremer para dar espaço.
- Polícia? Ambulância? - Indaguei.
- Pior - retrucou Abiodun. - Algum Oga viajando em comboio.
Um figurão em sua limusine, protegido por carros de escolta armada, se aproximava de nós, e estava com pressa. Foi então que Abiodun abriu o porta-luvas e dali retirou um giroflex portátil, vermelho, que afixou com a mão esquerda no capô do Accord. Quando o comboio do figurão passou por nós, ele colou na traseira do último carro da escolta, sirene ligada.
- Parece que vamos chegar na hora! - Exclamou ele sorridente, enquanto pisava no acelerador para se manter no grupo do comboio.
- Eu não acredito que estou participando disso - murmurou Ferretti, afundando no banco.
No rádio do carro, Yemi Alade cantava "Oga"...
- [22-11-2018]