Alvorada

Ao raiar do dia, uma ambulância trouxe os três condenados à morte, vendados e manietados. Eles foram guiados por outros soldados - seus ex-colegas de armas - até postes de madeira à frente de um muro caiado de branco. Sobre o peito de cada homem, foi afixado um pedaço de papel, para marcar o lugar do coração. Trinta e seis soldados posicionaram-se à frente dos postes, doze para cada condenado.

- Não quero venda - informou o sargento Jones, ao ser amarrado ao poste. - Vou olhar cada um de vocês bem na cara.

O pedido foi aceito. Jones encarou os doze soldados do seu pelotão de fuzilamento e seu comandante, que o encarava com desprezo. Ao lado do sargento, o cabo Wilkins, cujos nervos em frangalhos o faziam tremer como vara verde - uma reação fisiológica interpretada por seus superiores como manifestação de covardia - e o soldado Lane, um garoto que mentira na idade para se alistar e fora preso por roubar comida da cantina dos oficiais.

- Preparar! - Gritou o oficial, erguendo seu bastão de comando.

Trinta e seis rifles apontaram para os pedaços de papel no peito de cada homem.

- Fogo!

Após a fumaça da descarga dissipar-se, três corpos pendiam das cordas em cada poste. Um médico militar confirmou que os três estavam mortos.

* * *

Desolada, Margareth, a viúva do sargento Jones, procurou sua irmã Sarah, para lhe dar as más novas.

- Eu sabia que ele poderia não voltar... isso estava bem claro na minha cabeça. Havia um vazio no meu peito quando recebi a carta informando que ele morreu em ação, mas nada se compara à dor que senti quando fui procurar saber da pensão...

- O que eles disseram? - Indagou Sarah, preocupada.

- Que não davam pensões à viúvas de covardes - murmurou ela, cabeça baixa. - Só então descobri que ele havia sido fuzilado como desertor.

- Henry... desertor? - Questionou Sarah, incrédula. - Ele era um dos homens mais valentes que conheci!

- A história que me contaram é que ele havia fugido pela terra de ninguém, gritando que os alemães iam lançar um ataque com gás. Dois outros soldados fugiram com ele... os três acabaram fuzilados por deserção.

- Mas... e o ataque?

- Disseram que foi um alarme falso - concluiu Margareth, olhos vermelhos.

* * *

Peter exibiu a carta que encontrara num dos maços de correspondência que a avó trocara com seu marido, então a serviço do Exército Britânico na Frente Ocidental.

- Meu avô, que então era tenente do exército na França, escreveu essa carta para minha avó, quando estava se restabelecendo após ser ferido num bombardeio alemão. Aqui ele fala do seu imenso pesar ao saber que um dos seus comandados, o sargento Jones, havia sido julgado e fuzilado como desertor, no período em que ele ficou internado, inconsciente, no hospital.

- Esse Jones foi aquele que deu o alarme de um ataque alemão que não aconteceu? - Relembrei.

- Ele mesmo. O problema é que foi meu avô quem ordenou à Jones, que desse o alerta e fizesse as tropas recuarem da posição... ele estava ferido e achou que não iria sobreviver. Por alguma razão que jamais saberemos, os alemães não lançaram o ataque de gás esperado após o bombardeio, e meu avô foi encontrado posteriormente, inconsciente. Ninguém acreditou em Jones e ele e seus subordinados acabaram enfrentando corte marcial e pelotão de fuzilamento.

- Que história trágica! E porque seu avô não contou a verdade, mesmo que os homens já estivessem mortos? Afinal, pelo menos seus familiares não teriam que carregar a vergonha dessa acusação por todos estes anos...

Peter pensou um pouco, antes de responder:

- Meu avô temeu que se a verdade fosse revelada, ele poderia sofrer alguma crítica por ter dado um falso alarme.

- Mas provavelmente não iria enfrentar corte marcial nem fuzilamento ao raiar do dia - ponderei.

- Como vamos saber? - Retrucou Peter. - Afinal, os homens já estavam mesmo mortos...

- [21-11-2018]