Mundo pequeno
Éramos em seis: o Rato, o Zézão, o Wando, o Calango, o Rodolfo, e eu. Havia recém-chegado na cidade por causa da faculdade, e só conhecia o Zezão, um amigo meu adventista. Ele havia chamado os demais colegas dele adventistas para formarmos essa república. Era nossa primeira república.
O Rodolfo fazia Direito, e era a maior figura. Chegava no apê gritando, xingando a si mesmo, falava muito palavrão. Às vezes, à noite, nos acordava com suas gargalhadas escandalosas ou com sua cantoria. Ele gostava de vestir um terno cinza e fazer pregação nos cultos adventistas pela cidade e região. Gostava de estar sempre em evidência, sabe. Quando cantava no coral, se retorcia e fazia caretas canastronas, e depois nos perguntava se havíamos sentido que ele tentara passar cristandade em suas expressões. Parecia mais diarréia. Rodolfo também era cheio de urticária, tinha polotas por todo o corpo e vivia se coçando. Seu apelido na sua igreja era Coisinha. Deu pra sacar a figura?
Depois de alguns meses resolvemos que ele estava incomodando demais e ele foi convidado a sair da repúblika. Claro que ele não deixou de freqüentar nosso apê. Aliás, muitos amigos adventistas vinham ao nosso apê. Um deles era um tal de Jonis Júlio. Gente boa. O Rato morria de rir com ele porque ele era lento para entender as piadas, e era muito avoado: “Ãh,o quê... O que ele disse?!...” Esse era o Jonis. Aquele apê era muito legal.
No final do ano, em um bate-papo pela internet, conheci a Emília. Ela era de uma cidade vizinha. Nós saímos algumas vezes juntos e depois começamos a ficar. Houve um fim-de-semana em que eu fui almoçar em sua casa, conhecer seus pais, essas coisas. Sua mãe estava preparando uma lasanha. Enquanto esperava o almoço, a Emília me mostrou os seus álbuns de fotos. Um deles, o álbum de sua festa de 15 anos: “Neste álbum tem uma foto do garoto que foi minha primeira paixão e no qual dei o primeiro beijo, durante uma brincadeira de Salada-Mista. Aqui está ele”. E lá estava ele. Era o Jonis Júlio, vestido de príncipe, com luva e tudo: “Ele foi o meu príncipe na valsa dança de 15 anos...”.
“Que coincidência”, - eu disse -. “Eu conheço esse cara. É um amigo do pessoal adventista que divide a repúblika comigo. Ele sempre vai lá em casa”. Ela ruborizou, não queria que ele ficasse sabendo que ele lhe fora sua primeira paixão. Mas é claro que ele ficaria, e ficou, sabendo depois. A galera morreu de rir quando eu descrevi seu modelito príncipe na foto. Que mundo pequeno...
“Também somos adventistas”, completou Emília, para minha surpresa. Aí sua mãe veio até a sala: “Agora que você comentou... Eu tenho a impressão de que já vi você antes. Você também não é adventista?”. “Não”, respondi. E a mãe insistiu:“Mas parece-me que eu já te vi visitar minha igreja aqui nesta cidade, e pregar para nós”. “Não, mãe. Não era ele. Você está confundindo”, recordou-se Emília, e continuou: “Aquele que vinha pregar aqui era o Rodolfo!...”. “Opa! Peraí! Que Rodolfo?”, assustei-me. Emília esclareceu: “Ah, um rapaz que faz Direito, lá na Estadual...”. Não, não podia ser... “Um rapaz que tem um apelido. É... é... é o Coisinha!”. Que mundo pequeno mesmo... “Você não vai acreditar, Emília, mas este mesmo Rodolfo já morou na minha repúblika”. Enquanto ríamos das coincidências, uma desastrosa conclusão me ocorreu: a mãe havia me confundido com o Rodolfo! Ela achava que eu era ele... o Coisinha, cara!
Não foi por isso, mas terminei com a Emília uma semana depois.