A ameaça emplumada

Em seu gabinete no número 1 da Estrada Ritan, em Pequim, o embaixador polonês leu, entre divertido e desconcertado, o relatório que seu adido militar acabara de entregar.

- Como então, nossos amigos chineses acabaram de declarar guerra? - Indagou, erguendo os olhos do documento.

- Creio que podemos considerar como algo deste tipo, senhor - declarou o adido.

- Não me surpreende que a preocupação do camarada Mao Zedong tenha tomado esse rumo, principalmente depois do seu relatório sobre o encontro dele com a delegação do vice-primeiro ministro Jaroszewicz - ponderou o embaixador. - O Grande Salto Adiante, é tudo o que importa agora, não é?

- Decerto, senhor - concordou o adido. - No encontro com o camarada Jaroszewicz, o camarada Zedong explicitou ser sua intenção atingir a atual produção industrial do Reino Unido em cerca de 15 anos. Ou, mais especificamente, chegar ao nível da Inglaterra de hoje em 5 anos, e igualar sua produção de aço nos 10 anos seguintes.

- Crê ser isso factível? - O embaixador entrelaçou os dedos sobre o relatório, encarando seu subordinado.

- Perfeitamente factível - admitiu o adido. - Mas penso que devemos encarar essa campanha anunciada pela Rádio Pequim mais como propaganda e mobilização das massas, do que como uma iniciativa em cumprimento do Grande Salto Adiante.

O embaixador balançou a cabeça em concordância.

- Senão, vejamos: a República Popular da China convoca seus cidadãos para engajarem-se no combate às quatro pragas... três das quais são bastante lógicas do ponto de vista da profilaxia e da saúde pública: mosquitos, moscas e ratos. Mas... pardais?

- Os pardais estão sendo descritos como inimigos do povo, senhor, pois devastariam as colheitas destinadas ao consumo humano - explicou o adido. - E, devo lhe advertir, os chineses estão levando a campanha muito a sério. Pelo menos, no que toca aos pardais, que são relativamente grandes e voam à luz do dia. Os outros alvos da campanha são bem mais elusivos...

- Onde isso vai parar, fico me perguntando...

Subitamente pensativo, o embaixador colocou o relatório na caixa de saída sobre sua escrivaninha, para ser posteriormente arquivado pela secretária.

- Eu o manterei atualizado, senhor - prometeu o adido, antes de sair do gabinete.

* * *

E na manhã seguinte, ao abrir a janela do seu quarto, o embaixador foi surpreendido por uma visão ao mesmo tempo assustadora e triste: todas as árvores, dentro dos muros da embaixada, estavam cobertas por pássaros.

Pardais, para ser mais exato.

* * *

- Esta é a nossa posição oficial, senhor? - Indagou o adido.

- Sim - retrucou o embaixador. - Informe aos chineses que não autorizamos sua entrada nas dependências da embaixada, se o objetivo for exterminar estes pássaros que... bem, vieram se refugiar aqui.

O adido ligou para o encarregado da portaria e lhe comunicou as instruções do embaixador: a Campanha das Quatro Pragas contra os pardais não iria prosperar na embaixada da Polônia. As autoridades chinesas não se abalaram com a notícia e responderam que, de forma alguma, pretendiam desrespeitar a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, particularmente quanto à inviolabilidade da sede da missão diplomática; e, de fato, cumpriram sua promessa. Todavia, ninguém havia falado nada sobre fazer barulho.

No dia seguinte, centenas de chineses armados de tambores reuniram-se ao redor dos muros da embaixada, e, a um sinal, começaram a batucar, sem parar.

A batucada durou dois dias inteiros, ao fim dos quais os poloneses tiveram que usar pás para recolher os corpos de centenas de pardais, mortos por estresse e exaustão.

- [05-11-2018]