PERNOITANDO NO CEMITÉRIO.

Chico Tripa bebericava uma gelada no bar do Zé Gordo ao lado de seus amigos de longa data, Toninho, Davi Santista, Perrengo e Paulinho. A conversa no balcão estava animada pois aos sábados rolava moda de viola ao vivo, regada de churrasquinho de gato. Uma cortesia da casa para que os clientes consumissem muita cerveja. Mesas de jogo de truco e dominó, alguns casais dançando, cachorros paralisados ante a fumaça cheirosa de carne assada. Os bebuns do bairro compareceram em peso ao botequim. Os cinco amigos falaram sobre política, esportes, economia, religião, Trump, Temer, o fim do namoro do Neymar, as eleições, a Síria, as fake news, o final da novela, pescaria, culinária... Eles dominavam qualquer assunto!!!! A cada assunto uma rodada de cerveja pra molhar as palavras. Paulinho falou sobre assombração e fantasmas. -" Minha bisavó fumava escondido. Meu biso era contra mas ela fumava enquanto ele estava na roça!!! Minha vó e minha mãe sabiam disso. Meu bisavô morreu sem saber. Pois bem, trinta anos depois, minha mãe me levou pra ver as ruínas da fazenda de meu bisavô. Eu juro. Eu tinha seis anos de idade. Eu olhei as ruínas, as árvores que rodeavam a velha casa. Eu gritei. -" Mãe. A bisa está ali. Eu estou vendo ela!!!" Toninho, Davi e Perrengo ouviam atentamente enquanto Chico Tripa sorria, incrédulo. -" O que houve depois, Paulinho?" Perguntou Davi. -" Minha mãe perguntou-me como ela estava? O que fazia? Então respondi que ela fumava!!! Juro. Sem ninguém me dizer, vi a velhinha pitando... escondida de meu bisavô!!!" Davi contou sobre como foi perseguido pela mula sem cabeça. Toninho falou sobre sereias e assombração. -" Tudo isso é lorota. Mentira. Assombração não existe. Vocês são frouxos. Crédulos!!!" Disse o Chico. -" Duvido você ter coragem de dormir no cemitério, Chico??!!! Uma noite apenas!!!!!" Propôs Davi. -"Apostado!!! Eu durmo em cima de um jazigo, com coberta e travesseiro. De boa!!!! Tenho medo dos vivos!!!" Eles deram as mãos. Zé Gordo selou a aposta. -" Apostado, Chico. Se você passar no teste ganhará cem reais de cada um de nós!!! Se não passar, pagará vinte geladas pra nós!!!" Propôs Toninho. -"Aceito. Sexta feira eu pernoitarei no silêncio e na paz do cemitério da Saudade!!! Me deixem lá às 22 horas e me acordem as seis!! Levem meu dinheiro de manhã..!!!" A notícia da aposta ganhou a rádio manguaça e se espalhou pelo bairro. Era o assunto nos botecos. Fizeram até um bolão sobre quem venceria a aposta. Na sexta, o Monza preto de Davi estacionou em frente ao cemitério. Escuro. Cercado de Manacás. A lua minguante. Morcegos voando. O Chico desceu do carro de pijamas. Coberta e travesseiro. Na sacola uma garrafa de pinga. O vigia, vendo tevê, nem notou a entrada deles. O portão ficava aberto. O vento começou a soprar de repente. Davi e Paulinho se benzeram. -" Notaram nossa presença!!! Vou embora!!!" Gritou Perrengo. Toninho apontou pra uma sepultura de mármore. -" Aqui está bom!! Boa noite, Chico!!!!" O outro sorriu. -" Boa noite, medrosos!!! Me deixem em paz!!! Me dei bem!!!" Eles o viram estender a coberta e se deitar sobre a pedra gelada. -" Aqui estão enterrados Filomena Camilo Castelo Branco e seu esposo, deixa ler bem, Eustáquio!!! Há, há...boa noite, galera!!!!" Os amigos se foram. Chico Tripa fez o sinal da cruz e rezou um pai nosso!!! Virou metade da garrafa guela abaixo e ajeitou o travesseiro. Uma coruja piou e o deixou arrepiado. -" Coruja, Chico!! Bora dormir!!!" Uma barata passou sobre seu pé. Ele tomou o restante da pinga. Fechou os olhos e adormeceu. A estátua de um anjo parecia olhar pra ele. Uma hora depois, levantou-se pra fazer xixi. Olhou em volta, ressabiado. Tropeçou num vaso de flores. O sono teimava em vir. Enfim, adormeceu. Sonhou com as histórias dos amigos de bar. A bisavó de Paulinho. Chico Tripa, no sonho, sorria e desdenhava daqueles causos. Sede. O valente despertou e olhou as horas no celular. Cinco da manhã. Ele sorriu. Uma hora apenas e ganharia a aposta. Recostou no travesseiro mas ouviu barulho de beijos!!! Estranho!!! Será que tinha mais alguém ali??? Olhou e viu um casal de jovens, sentados no túmulo do lado. Estavam aos beijos. Chico Tripa sorriu. Namorara muitas vezes no cemitério, quando jovem. Lurdinha, a primeira namorada... Melhor deixar os namorados em paz, pensou. Puxou a coberta mas derrubou a garrafa... O casal olhou pra trás. -" Ohh, moço. Moça!!! Não se assustem!!! Estava dormindo aqui!!! Me perdoem se os assustei!!!" O rapaz se levantou. -" Não precisa se desculpar, amigo!!! Está linda a madrugada!!!" Chico sentou-se. -" Vocês são da cidade??" O casal sorriu. -" Somos sim... trabalho na roça. O pai tem fazenda!!" Disse o rapaz. Chico contou piadas. Quantas histórias contaram. O Chico fez amizade rápido com aquele casal simpático e bem humorado. -"Aqui é uma paz sem igual. Virei outras vezes. Tomara a gente se encontre. Amei vocês." Disse o Chico. -" Fazia tempo que nós não proseava assim, né amor??? O senhor nos tratou bem demais da conta!!!" Disse a moça. Chico olhou no relógio do celular. Cinco e cinquenta. A última hora passara rapidamente. O sol emanava seus primeiros raios, anunciado um novo dia. -" A gente vai embora, Seu Chico!!! Passar bem!!! Vamos, Filó???" Disse o moço. -" Vão na paz! Também vou pra casa. Feliz por conhecê-los.

Ganhei a aposta!!!" O casal se virou. -"Que aposta???" Indagou o moço. -" Ah, meu amigo. Apostei com meus amigos medrosos que dormiria no cemitério. Sozinho!!! Num acredito em assombração!!!!! Vocês também, pelo jeito, também não acreditam!!!!! O casal se olhou. Deram uma sonora gargalhada. -" Pois é, Seu Chico. Quando a gente era vivo nós também não acreditava nessas coisas, não!!!!" O casal de namorados sumiu como por encanto. Chico Tripa estava paralisado. Olhar arregalado. Arrepiado dos pés a cabeça. Branco como cera. Gelado como picolé. Babando igual vaca ruminando. Os dentes batendo uns nos outros igual bateria da Mangueira. Os amigos o encontraram andando a esmo entre os túmulos. Não dizia coisa com coisa. Internado, foi encaminhado ao neurologista e ao psiquiatra. Dormia a base de tranquilizantes e sonífero. Uma semana depois, Davi o levou numa benzedeira. Chico Tripa deu sinais de melhora, um mês depois. Buscou apoio na religião. Jamais duvidou de mais nada. Sua história se espalhou. Os amigos não quiseram que ele pagasse a aposta perdida. Nunca mais entrou de novo num cemitério. FIM. (Marcos Dias Macedo)

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 25/10/2018
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