Orfãos Vivos 100 inimigos!!!

Ele veio sem muita conversa, sem muito explicar.....

Era 3,4 horas da madruga de um dia entre 1958/1960 quando ele chegou, eu não sabia quem era, mas com a liberdade que mandou em nós, devia ser algo nosso.

Queria que eu vestisse um bermudão azul, (já tinha me obrigado a vestir uma horrorosa camisa xadrez) me recusei e recebi 2 palmadas que me fizeram vesti-lo, as únicas de meus pais na minha vida, já que me criei longe deles!

Entramos num carro e ele o dirigiu com a mesma irresponsabilidade com que dirigia a sua/nossa vida, a ponto de uns 100 metros a frente metê-lo num buraco.

A providência divina mandou-nos um porre que nos ajudou a sair, chegando em cima da hora na Rodoviária.

Enquanto a voz suave da locutora dizia:

Vá e venha pela Penha, entravamos no ônibus, sendo colocado la no fundo em cima do motor, (meu pai era motorista e possivelmente conhecia o motorista daquele ônibus) já que não tínhamos direito a poltrona.

Demos Tchau a nossa mãe através do vidro, e a aquele que depois viria saber ser meu pai, sem sentir nada, pois estávamos acostumados a separações diárias por força do trabalho de nossa mãe!

Chegamos a Mafra-Santa Catarina as 6 horas da manhã, um dia ou 2 de viagem e um desconhecido motorista de táxi nos apanhou e levou-nos á casa de nossa tia Anita. Recepção com a vizinhança toda presente, ja que gêmeos naquela época era raro e tivemos que trocar de roupa, constrangidos, ali em frente de todos.

Minha infância foi boa enquanto meu pai bancava a minha tia Anita. Depois que ele parou virei escravo e o fato mais marcante, além de passar os domingos ao lado da mesa de jogo comprando cerveja e cigarro, foi o de ter que usar os sapatos 43 de meu tio José várias semanas, isso com 13-14 anos.

Meu tio José era um pouco escuro demais para o padrão familiar e talvez por isso, pouco participava das festas familiares, inclusive a maior, a natalina. Sua mulher, Tia Edwiges também era quase invisível, aponto de eu ter ficado 2 meses em Rio Negro (1981) e só tê-la visitado no último dia, oque a deixou muito triste.

Me lembro que tio José chegando de viagem ia visitar minha tia Anita, antes de ir para casa. Neste dia tia Anita ficou muito feliz e mandou-me comprar 5 pães a mais. Cheguei com a encomenda quentinha, ( uns 12 pães) já era umas 3 horas e nada de o Tio chegar. Resolvi comer um enquanto estava quente, cortei-o, passei manteiga nos 2 lados que se espalharam generosamente douradas. Pincelei 2 colheradas de mel de abelha rainha, fechei o apetitoso sanduba e dei a 1ª mordida:

Aleluia, oh glória!

Saboreei-o ávidamente temendo ser descoberto, embora fosse direito meu, já que estava passando da hora do lanche diário. Resisti heróicamente para não comer o 2º enquanto ouvia as lombrigas gritando:

Mão de vaca, manda mais um, penoso!

A carne é fraca, confirmei que titia roncava na sexta diária e mandei pra dentro o 2º!

Estava aberta a porteira, a caixa de Pandora que liberou de saída a Fome, ou ela me matava ou....

Era guerra, não fiz reféns, assassinei uns 8 franceses, como era chamado na época aquelas "coisinhas fofas, e só parei quando ouvi o motor do carro do Tio José encostando na frente de casa. Mesmo movido a pão consegui escalar a parede de casa sabe Deus como, indo me aboletar em cima do telhado, no ouvido a musiquinha:

Daqui não saio, daqui ninguém me tira!

O telhado ficava em cima da dispensa e deu para ouvi-la exclamar ao abri-la:

Mas não é possível!

Tempos depois ela se vingou, precisei de sapatos e ele me deu o do Tio José uns 4 números maior!

Estudava num colégio com uns 50 alunos e eu com aquele sapato do Bozo. Me recusei a voltar para a casa nos sábados seguintes, já que era uns 10 km de pernada atravessando a cidade inteira, depois das 10 horas da manhã, hora que começava a dispensa!

Estranhamente minha Tia Anita criou 3 filhos de uma outra família que morava apenas 500 metros de sua casa. Quando cheguei só tinha o "primo" Osmar, já tinha passado o "primo" Altair, mais tarde chegou a "prima" Ivone. Ivone criada a moda antiga para ter um bom casamento, conseguiu.

Casou com um bancário e na vinda para o Rio de Janeiro meu pai me levou para vê-la na sua nova casa. Nos recebeu deitada num baby doll e nos serviu café em bandeja de prata com xicrinhas, idem. Detestei-a e aquela frescura toda até porque meu pai insistiu em me comprar um sapato para vê-la. Quem diria, aquela que era filha de criação tinha esquecido o passado dela. O "primo" Osmar criado a pão de ló enquanto este legítimo sobrinho aqui era o Gato Borralheiro da família, não quis nada com o serviço indo parar até na cadeia!

E nos 4 anos que vivemos juntos minha tia insistia que eles (Osmar e Ivone) fossem visitar seus pais, (moravam a uns 500 metros de distância) é só me lembro de uma visita:

Quando o pai deles morreu!

Velório na época era movido por 4 cs:

Café, cachaça, cigarro e contar causos!

Não entrei para ver o caixão, mas na saída tive a nítida impressão de ver um vulto me seguindo, talvez porque a casa fica a uns 300 metros do tão temido cemitério!

Resumindo:

Uma adoção com amor substitui qualquer mãe ou pai legítimo!