O CAIXEIRO VIAJANTE E O VELHOTE DO INTERIOR - conto de Ialmar Pio
O CAIXEIRO VIAJANTE E O VELHOTE DO INTERIOR
IALMAR PIO SCHNEIDER
Já se afirmou, com muita propriedade, que o homem é um animal político. Por isso vive em sociedade, é gregário e depende dos outros para existir. Entretanto, não pretendo dizer que deva ser político partidário, na acepção inteira da palavra. O voto que se deposita na urna em cada eleição, embora seja obrigatório neste País, o que também não concordo, pois não representa a total democracia que tanto querem apregoar por aí, é também secreto. Se assim não o fosse, haveria confrontos entre facções contrárias, não evitando-se as perseguições em diversos setores.
Como estamos em ano de eleições, nada melhor do que estudarmos profundamente em quem iremos votar, porque “depois do mal feito, em chorar não há proveito”, que nem diz o velho ditado. Ao escrever estas linhas, lembra-me a anedota do caixeiro viajante (hoje, quiçá, representante comercial) e o velhote do interior que se encontraram num bolicho de campanha, mais ou menos na hora do almoço. Após entabularem conversa sentaram-se à mesa para fazerem a refeição. Pediram, então, ao bolicheiro o que havia para comer, ao que lhe respondeu que tinha bifes. Aceitaram e continuaram conversando, até lhes ser servido o almoço. Assim que foi depositada a travessa sobre a mesa com os dois bifes, o velhote serviu-se do maior, sem a menor cerimônia. O viajante não se conteve e disse-lhe:
- O senhor não sabe que a boa educação manda que quando se serve por primeiro, pega-se sempre o menor pedaço ?!
O velhote não teve dúvida e respondeu:
- Se você fosse servir-se primeiro, qual o bife que pegaria ?
- O menor, é claro; falou o viajante.
- Então está certo. Eu ficaria com o maior, da mesma forma; arrematou o velhote do interior.
Esta anedota, que alguém me disse ser mais velha que a Terra, só faz confirmar a velha sabedoria campeira, não obstante poder ser aplicada para quem é investido em um cargo em que permanecerá sem que ninguém possa inverter a situação. Embora não correspondam com a confiança neles depositada pelos eleitores, ninguém os poderá destituir. Daí a seriedade com que se deverá encarar as eleições que se aproximam. Pode-se até errar, mas devemos ouvir a nossa consciência para não termos que lamentar depois.
Outrossim, como evitar a corrupção e o enriquecimento ilícito, quando há tanto telhado de vidro ?! Dizia, o Marquês de Maricá (1773-1848), portanto lá no Velho Império, em suas Máximas: “Um povo corrompido não pode tolerar governo que não seja corruptor.” Mas o pior é que só alguns se locupletam e os outros, apesar de muita labuta e sacrifício, ficam a ver navios. Dir-se-á que sempre foi assim, que sempre houve pobres e ricos, ao que poderá se objetar que não necessitava haver tanta diferença entre os mais afortunados e os despossuídos, ou como são chamados, estes últimos, de excluídos. Houve até quem os rotulasse, em passado recente, de descamisados e o que foi feito para melhorar a sua condição de vida ? Nada, e acentuou-se muito mais ainda a linha de pobreza ou miséria de milhões de brasileiros que passam fome e carecem dos mais elementares padrões de sobrevivência.
Vou transcrever abaixo o poema “O Bicho”, de Manuel Bandeira, escrito no Rio, em 27 de dezembro de 1947, há 54 anos, que só um coração sensível como o dele poderia captar, observando o dia-a-dia da cidade grande: “Vi ontem um bicho/ Na imundície do pátio/ Catando comida entre os detritos.// Quando achava alguma coisa,/ Não examinava nem cheirava:/ Engolia com voracidade.// O bicho não era um cão,/ Não era um gato,/ Não era um rato.// O bicho, meu Deus, era um homem.”
É necessário falar mais ou continua o mesmo? É só andar por aí e verificar.
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Cronista colaborador
Publicado em 15 de maio de 2002 - no Diário de Canoas.