Carlito Trapalhão!
Carlito Trapalhão!
A vida nos reserva surpresas quase impossíveis de acontecerem. Carlito, mais tarde Carlito Trapalhão era pequeno, com barba, bigode e longos cabelos pretos nos relembrando um Tiradentes em miniatura.
Sua voz forte transmitia determinação fruto da vivência no ramo de vendas para muquiranas que desvalorizam o suor alheio.
Conheci-o na frente de uma loja vendendo seu artesanato estilo hippye de brincos, pulseiras e colares. Tinha um brinco de cores espetaculares feito com tinta de automóveis, que vendia mais que banana na feira.
Quis o destino que Carlito fosse morar no meu morro pertinho da boca de fumo, (que por sinal ficava atras de minha casa) e como sua casa ficava ao lado do meu caminho para o armazém, acabei encontrando-o.
Nesta altura do campeonato ele não dava conta da demanda dos brincos e acabou me convidando para fazê-los. Eu que sou apaixonado por artesanato topei na hora. Fabricava de manhã e vendia a tarde.
Ele tinha uma mulher jovem e bonita e um filho de uns 2 anos. Como todo hippye o comunicativo Carlito logo se enturmou com os compradores e vendedores da boca de fumo!
Numa de nossas saídas para vender, manifestou seu temor pela mulher ficar sózinha em casa e com razão, já que deixamos um vagabundo conversando com a mesma quando descemos.
O destino mexeu os pauzinhos e meu vizinho, um jovem muito querido na localidade que morava com o pai e a mãe, perdeu o pai. A mãe foi morar com a irmã noutra parte do morro, deixando-o só no barraco por um bom tempo.
Até que ele resolveu vender e comprei a preço de pirulito. Cedi por um bom tempo para Bebeto e sua adorável Emy. Mais tarde preocupado com a mulher de Carlito vendi a ele com uma única cláusula:
Quando fosse vender teria que ser para mim ou alguém que eu indicasse!
Moravámos numa espécie de vila que só tinha um vagabundo até então, embora os outros circulassem de vez em quando por ali.
Carlito não era viciado, dava uns tapinhas 2 a 3 vezes por semana, numa delas até deixou seu filho fumar. Exemplo desse quilate presenciei em Santa Tereza:
O casal jovem 20/25 anos bebia uma lata de cerveja, ela com o bebê de uns 8 a 10 meses no colo e ele dando uns golinhos para o mesmo. Quando ele tirava da boca do neném para beber, o garoto com os olhos esbugalhados esticava os braços querendo pegar a lata! Ante a cena eles riam as bandeiras despregadas.
Com Carlito meu vizinho aprendi enes truques para se fazer colares, brincos e pulseiras. O problema é que Carlito saiu de perto da boca de fumo, mas não das companhias.
Numa noite reuniu-se com mais 2 no barraco e passou a noite queimando Mary Juana do tipo manga rosa! Eu sem ter dado um tapinha, só aspirando o fumacê através da parede do barraco, vi a letra da música Vapor Barato passeando pelo teto.
Me afastei lentamente de Carlito, agora Carlito Trapalhão, não sei porque, mas não tardei a descobrir. A mérda maior eu já tinha feito, que foi levar Carlito Trapalhão para o posto 9 em Ipanema. Não demorou a me entregarem que ele estava vendendo fumo!
Cortei drasticamente minha ida diária ao Posto 9, indo no máximo 3 vezes por semana. Conhecia a música:
Ei capoeira tu quer me matar, ei capoeira joga lá que eu jogo cá!
Derepente pimba!
Carlito Trapalhão quer vender o barraco com urgência, prazo de 2 dias! Desalento total já que morava em área carente, mas Deus é pai, Jesus é filho, me lembrei que minha amiga era filha da vizinha de Carlito. Recém casada, se mudara para outra parte do morro pagando aluguel.
Ela topou morar ao lado da mãe e no 3º dia fechamos o negócio.
Carlito que não tinha mudança se mandou no mesmo dia, mas não foi longe. Com a merreca da venda do barraco, mas algum arrumado não sei aonde, comprou um carro, digo carroça da marca Gordini, mas não foi muito longe. A carroça, digo carro quebrou perto de Angra dos Reis e ele acampou numa praia de lá. Dois dias depois minha amiga foi entrar no barraco.
Aí apareceu o dono da boca de fumo, (ex-presidiário por sinal) requerendo a paga por 2 gramas de cocaína que Carlito Trapalhão estava devendo. Minha amiga chamou o avalista/vendedor por acaso este pateta que vos escreve.
Ele sabia que não poderia forçar muito a barra no recebimento da cocaína pois não éramos o comprador, mas intimidar não custa. Sabíamos que ir para a delegacia era o último recurso, que nos inseria no grupo dos x-9, ou seja:
Dedo Duro!
Mas a ameaça velada a uma dama era covardia, aí o Zorro, Batman e outros menos votados que habitam esta besta quadrada se revelou:
Ninguém entra no barraco!
Uma semana se passou e eu com o peito de pomba bancando o Super Herói até que fui salvo pelo gongo. Passei a rodar o bairro inteiro tentando achar Carlito Trapa numa rua qualquer, voltei ao posto 9 e derenpenguete;
Lá estava ele!
Contei nosso drama e ele quase jurou de pés juntos que o meliante estava mentindo. Tentei convencê-lo a ir lá no morro conversar com o vagabo (vagabundo safado) mas ele também tinha uma super-Heroína dentro dele e disse:
Se eu for lá é para jogar um coquetel molotov no barraco dele!
Eu me cagando todo e o trapalhão "cagando goma"!
Desse mato não saíria coelho e o dono da boca apimentou o problema, mandando seus cupinchas estacionarem na porta do meu barraco, isso incluía o mais famoso do morro:
Neném Magro!
Agora quem estava emagrecendo era eu, não dormia, nem comia direito, só pensando em como sair deste imbróglio.
Solução drástica foi rachar o meu barraco com o miserável e ainda tive que fazer uma portinha de emergência para o mesmo no fundo do quarto.
Ou seja além de dar mole a vagabundo ainda tive que trabalhar 10graça!
Estava na hora de cantar pneu, dizer adeus a Cidade Maravilhosa, deixando de brinde uma boca de fumo no local!
Troquei o que sobrou de meu barraco por duas ´passagens para o Norte do Brasil, aonde escrevi outras tantas histórias, umas tristes, outras nem tanto!
É mole ou quer mais!