A janela misteriosa
Toda vez, o Sr. Carlos cumpria a sua tarefa de transportar gêneros alimentícios da zona rural para a estação do município. Quando lá chegava, voltava carregado de sal e açúcar. Duas vezes no mês ele fazia este trajeto, o qual demorava dois dias. O seu carro de boi tinha seis juntas de bois, todos eles muito bem tratados e já estavam treinados a fazer este trabalho. Era por volta do ano de 1955. A cidade iniciava o seu desenvolvimento e o melhor meio de comunicação do município para a zona rural era o transporte em carros de bois. Em uma jornada desta, poderia contar até cinco carros de bois passando pelos caminhos e estradas rurais da época.
Era meados do mês de janeiro. O sol era muito quente durante o dia e à noite sempre chovia. O roteiro traçado por eles coincidia sair na madrugada, aproveitar o máximo do dia para fazer o transporte. Pernoitava em duas fazendas. Uma das fazendas era no meio do caminho e a segunda era bem próxima da cidade, mas eles somente pernoitavam nela quando estavam de regresso.
Nesta viagem, resolveram fazê-la bem rápida e colocavam mais duas juntas de bois, pois quanto mais animais tivessem no carro de bois, mais velocidade e menos força faziam os bois. Saíram bem cedo e pernoitaram na metade do caminho. Como de costume, soltaram os bois, estenderam um colchão debaixo do carro, tamparam com algumas capas de chuva, esquentaram o jantar. Fizeram alguma hora e dormiram. No outro dia, levaram bem cedo, juntaram os bois e saíram, sempre ouvindo o cântico do carro de bois.
Por volta das dez horas da manhã, chegaram à cidade. Era véspera de festa. O bondinho sempre subia da estação até o centro da cidade lotado. Eram crianças, velhos, adultos, sempre os frequentadores das festividades. Assistir a Semana Santa na cidade era privilégio para poucos, mas o esforço e a vontade sempre estavam nas lembranças e nos pensamentos de cada um.
O Sr. Carlos e sua comitiva chegaram e rotearam para a estação. Muito movimento até ao acesso da estação. Descarregaram a carga e imediatamente carregaram a carga de retorno. Tinha muita gente e até ele comprou alguma coisa para o jantar. Compraram carne de sol e mandioca. Alguns pães e o refrigerante da época. Estavam felizes porque receberam o preço dos serviços e ganharam uma boa gorjeta cada um deles.
- Já está na hora. Os carros já estão carregados, o dinheiro no bolso, no embornal estão os jantares. Vamos embora, porque amanhã é dia santo e vamos chegar mais cedo. Será quinta-feira, o dia do Lava-pés e depois será sexta-feira da paixão. Dia de muito respeito, de muita oração e jamais será dia de trabalhar. Desta forma, o Sr. Carlos disse a seus comandados e iniciaram a jornada.
Quando subiam o morro da estação, eles foram juntos com os policiais que se encontravam de plantão e um deles era afilhado do Sr. Carlos. Muitas conversas entre os dois, muitos casos e quando se aproximaram do limite da cidade, o afilhado deu um abraço em seu padrinho e deu-lhe de presente uma capa de chuva nova, porque o sol estava muito quente e havia probabilidade de chuvas durante a noite.
Andaram bem. Chegaram perto da fazenda onde eles faziam a pernoite ainda cedo.
Sr. Carlos, bastante cansado, disse a seus companheiros que gostaria de pousar mais longe, em outra fazenda, mas os bois estavam cansados. Era mais ou menos quatro horas da tarde e se andassem por mais duas horas, chegariam a outra fazenda já escurecendo e ficaria difícil para soltar os animais e fazerem o jantar. Soltaram os bois, calçaram os carros, armaram as tendas e improvisaram um fogareiro para o jantar.
A tarde ia passando e o sol já dava lugar à noite. Perto do acampamento, tinha um córrego e eles foram tomar banho. Após o banho e o jantar já pronto, feito pelo Sr. Carlos, jantaram, beberam o refrigerante. Fizeram suas orações juntamente com as batidas dos sinos da Igreja Matriz. Não era muito longe, mas ouvia-se claramente o tocar dos sinos. Contaram casos e resolveram dormir.
O Sr. Carlos estava muito feliz por haver ganho de seu afilhado a nova capa de chupa. Ela estava nova e foi confeccionada em São Paulo. Grande, quente e comprida. Ela tapava qualquer pingo de chuva que despejasse das nuvens.
Por volta das onze horas da noite, Simão, um dos companheiros da comitiva, acordou assustado e chamou por Carlos e disse:
- Sr., olha que coisa mais estranha eu vejo na janela da fazenda. Estamos a três quilômetros dela e olha só o clarão que está no terreiro de café.
Carlos acordou repentinamente e meio assustado presenciava, junto a seus companheiros, a estranha iluminação no pátio da fazenda.
A fazenda era de construção do século XVI. Era de três pavimentos, sendo que o térreo continha uma certa garagem, ou seja, eram várias repartições que o proprietário guardava. Eram ferramentas, carros de boi, arados, armazém de café, lenhas e outros insumos utilizados na vida diária da fazenda. O proprietário possuía muito café plantado, muito milho, feijão, arroz, criava muito gado e moravam várias famílias nos arredores da fazenda.
Assustados, os outros acordaram repentinamente com o clarão e um deles, meio dormindo, disse:
- Acordamos fora da hora. O sol está quente e teremos que partir rápido, porque não chegaremos antes do sol em casa.
- Que nada amigo, no meu relógio está marcando dez minutos para a meia noite. Olhe lá, na fazenda. Está tudo iluminado e chegam e saem várias luzes do terreiro. São luzes verdes, amarelas, vermelhas e azuis. É um espetáculo muito lindo e quando chegar meia noite, veremos uma linda moça que aparece na janela. Eu já vi isto há muitos anos. Com toda certeza, o Sr. Carlos contou aos que ali estavam.
Um dos integrantes, o mais novo, quis ficar com medo, cobriu-se o rosto e começou a gritar pela mãe. Ele, com todo o carinho do Sr. Carlos, foi acalmado e ficou perto dele e no mesmo instante mostrou a linda moça que aparecia na janela. A distância de onde eles estavam era de aproximadamente três a quatro quilômetros, mas eles viam a moça que aparecia na janela a uma distância mais ou menos de uns vinte metros.
Era inexplicável saber que a visão deles era bem próxima do fenômeno, mas não se sabe como e que meios tecnológicos foram empregados, porque parecia que eles estavam bem próximos do fato.
A fazenda era toda iluminada. No terreiro, podia-se ver até o café espalhado pelo chão. Era um vai e vem de luzes que subiam e desciam, a uma enorme velocidade para a época e simplesmente não aproximavam dos membros da comitiva ali acampada.
Ficaram horas observando o fato. Até riam dos movimentos da moça e das luzes. Viam-se os cães caminhando pelo pátio, viam-se algumas galinhas que desciam dos poleiros para comer. Até os patos corriam pelo quintal indo na direção da represa que estava ao fundo. Enfim, aconteciam coisas tão inexplicáveis que eles apreciavam e se perguntavam o que seria aquilo.
Após algumas horas, a moça simplesmente pulava da janela e descia a uma velocidade tão baixa que parecia uma pena caindo lentamente. Percebia-se que a moça era loira, de cabelos bem brancos, de olhos verdes, um rosto todo diferenciado das mulheres da época. Seus olhos brilhavam imensamente e olhavam diretamente para a comitiva. Sorria e desaparecia juntamente com as luzes. Aos poucos a fazenda ia ficando escura e somente restava a escuridão, mas uma pequena luz ainda brilhava na imensidão: a luz do fogo feito pela comitiva, no chão do acampamento.