O COLEGA DE ESCOLA QUE SABIA QUASE TUDO!

Já havia iniciado as aulas fazia um tempão. Certa dia, ou melhor, certa noite apareceu em nossa sala da 5ª série um rapaz esbelto, aparentemente tímido de estatura mediana. Ele parecia ser o mais velho da turma e a impressão inicial que eu tive era que ele seria mais um daqueles alunos que, de tanto repetir de ano, acabam sendo o mais velho da turma!

Eu estava redondamente enganado sobre a capacidade intelectual do nosso novo colega de sala. Demorei um pouco para puxar conversa com Marcos, mas logo que ele começou a conversar, foi fácil perceber que ele era um rapaz muito sábio.

Marcos tinha a letra miúda. Portava apenas um caderno de algumas matérias e uma caneta azul da marca Bic. Certa vez ele me confidenciou de que passou todo o ano letivo com apenas uma caneta! Na verdade, ele sempre brincava de economizar e gostava de dar dicas para os nossos colegas de como fazer para gastar menos.

Logo descobri que aquele rapaz tão inteligente só estava ali no meio dos mais novinhos porque ele havia interrompido os estudos. Não havia dúvidas: tudo o que os professores perguntavam, ele respondia certinho e ainda contava detalhes, sempre arrancando a admiração dos educadores e dos demais estudantes.

Naquela época eu já gostava de escrever. Comecei a escrever um jornalzinho de forma manuscrita e o Marcos era o meu revisor. Eu ficava muito chateado quando ele riscava quase todo o folheto, corrigindo todos os erros absurdos que eu cometia. "O certo é depois, com a letra i, e não depôs", corrigia-me.

Naquele mesmo ano tivemos uma gincana interclasse na qual a turma escolheria o melhor aluno para responder as perguntas. Ninguém teve dúvida de que o Marcos era o mais preparado para participar daquela competição e vencer todas as turmas mais avançadas da 6ª até a 8ª série.

Sem qualquer dificuldade, a nossa turma foi a vencedora da gincana. Marcos não errou uma pergunta e consolidou a admiração de todos. Aquela foi a primeira de uma sequência de muitas vitórias.

Quando já estávamos fazendo a 8ª série, o Marcos não compareceu para representar a nossa turma. Foi aquela correria, pois tínhamos certeza de que não haveria um substituto tão competente. Sem ele, acabamos perdendo o título e tivemos que nos contentar com um segundo lugar.

Depois de algum tempo, passei a visitar a casa do Marcos. Ele morava numa comunidade rural, numa casinha bem afastada das outras, logo após um riacho cujas águas eram salobras. Era tudo muito simples. Ele morava com as suas tias, todas já de idade e solteiras. Ele era o único homem da casa!

Na sua casa não existia aparelho de TV e nem outros equipamentos modernos. Na sala havia apenas um rádio de pilhas que transmitia apenas emissoras de rádio AM. Era através daquele equipamento antigo que ele recebia as notícias, ouvia as músicas prediletas, os jogos de futebol e até as transmissões de corrida de Fórmula-1.

Marcos vivia na simplicidade. Durante o dia cuidava da roça e de algumas cabeças de bois e cavalos. Ia para a cidade sempre na sua bicicleta e sempre retornava logo para a sua casa para fazer companhia às suas tias. Seus pais moravam longe dali, noutra cidade do sertão potiguar.

Marcos sabia tudo sobre esportes, música e atualidades. Ele usava as folhinhas que separavam as matérias do caderno para fazer a escalação da Seleção Brasileira de Futebol e explicava o porquê de convocar cada um dos jogadores. Em outras páginas ele relacionava as suas melhores músicas e aquilo acabaria influenciando os meus gostos, fosse pelo esporte ou pela música. Com alguns anos de vida a mais, Marcos também me orientava, motivava, dava sugestões e ensinava os caminhos para a realização dos meus sonhos. Se hoje estou escrevendo esse texto com certa habilidade, devo isso ao meu ex-colega de escola.

Muitos anos depois, ele continua morando no mesmo local. A casa passou por algumas pequenas reformas e recebeu novos eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos, mas ele continua lá, naquela mesma simplicidade e com a humildade típica dos grandes gênios.