O DISTRAÍDO

José morava em uma pequena cidade, Abençoada, esse era o nome que lhe dava muito prazer em falar cada vez que alguém perguntava aonde ele morava. José não era homem de muita conversa, mas gostava de ajudar, de ser prestativo.

- Zé aonde está Pedrinho?

- Ah meu Deus!

- O que foi? Não diga que você esqueceu de busca-lo na escola?

- Estou indo mulher. Eu esqueci completamente.

- Ah não, aonde você anda com a cabeça homem? Já são quase uma hora da tarde, coitadinho do menino.

Já na escola a professora aguardava impaciente alguém buscar Pedrinho. Já passara o horário do almoço, já havia perdido a fome e precisava recomeçar as aulas com os alunos da tarde.

- Boa tarde seu Zé, o Pedrinho já estava impaciente com a sua demora.

- Perdoe-me professora pelo atraso.

- Seu Zé eu já lhe falei não posso ficar esperando tanto tempo. A tolerância é de quinze minutos. Todos os dias o senhor tem chegado atrasado. A escola precisa manter a ordem, a disciplina e os horários de entrada e saída.

- Sim eu sei. Prometo que jamais me atrasarei.

- O senhor já falou isso diversas vezes, sei que é um pai zeloso. E não quero tomar uma atitude drástica. Por favor, fique atento aos horários.

- Tudo bem professora, obrigada.

Já em casa.

- Pedrinho vá tomar banho para almoçar filho.

- Mãe eu não quero tomar banho, estou com muita fome.

- Zé eu não aguento mais ouvir as reclamações da professora. Ela disse que todos os dias você chega atrasado para buscar o Pedrinho. Você já marcou a sua consulta com o médico para verificar o que está acontecendo com você?

- Já disse que não está acontecendo nada mulher.

- Zé você entregou a encomenda da comadre Maria?

- Puxa! E não é que eu esqueci. Agora que você falou, foi que eu lembrei.

- Zé pelo amor de Deus homem, assim não dar. A comadre precisa dessa encomenda urgente.

- Tudo bem, eu vou levar agora mesmo.

A caminho da casa da comadre Maria Zé encontra um amigo.

- Olá Zé como vai?

- Olá Miguel como foi o jogo ontem?

- Foi ótimo, ganhamos de três a zero, foi uma lavada.

- Que bom, fico feliz por você. Preciso ir, boa noite e até mais.

- Até a próxima Zé.

A comadre Maria chega à casa de Zé para buscar a encomenda.

- Boa noite, entre dona Maria. Fala a esposa de Zé surpresa com a visita da comadre.

- Boa noite Graça, vim buscar a minha encomenda.

- A sua encomenda? Eu pedi ao Zé para entrega-la ontem.

- Não recebi. Você sabe que tenho urgência e por isso vim pegar.

- Eu sei. Sinto muito dona Maria, mas o Zé anda muito esquecido. Acho que ele esqueceu. Zé?

- O que foi mulher? Ohhh como vai dona Maria?

- Estou bem obrigada.

- Dona Maria me desculpe. Eu sai de casa ontem para entrega-la. Mas acabei encontrando uns amigos, me distrai e acabei esquecendo.

- Não precisa continuar Zé, eu já conheço essa história.

- Eu vou buscar agora mesmo e por favor mais uma vez, me desculpe.

Após a saída de dona Maria a esposa chama José para uma conversa.

- Zé eu preciso falar com você. Não pode ficar adiando a sua ida ao médico. Isso precisa ser tratado, por favor, entenda!

- Mas eu já lhe disse que estou ótimo. Ando um pouco distraído, só isso querida.

- Isso não é distração. Você tem esquecido de buscar o seu filho no colégio. Você esqueceu de levar a encomenda da dona Maria e Zé você estava com ela nas mãos. Como pôde esquecer? Isso não é normal, meu bem!

- Está certo, você me convenceu. Irei ao médico, não se preocupe.

- Zé eu preciso lhe contar uma coisa que aconteceu comigo ontem. Eu sonhei que estava passeando de carro com a Lúcia e de repente passava à minha frente uma faixa cheia de números. Olhe, veja! Eu os anotei aqui.

- Números interessantes querida. Já pensou em fazer um jogo?

- Um jogo? Parece uma boa ideia. Você sabe que estou muito atarefada e cheia de encomendas. Você faz para mim?

- Tudo bem. Sem problemas eu faço para você.

- Meu bem, por favor, não esqueça. Esse jogo pode mudar as nossas vidas para sempre.

- Pode deixar, não se preocupe.

No final do dia Zé se lembra do jogo. Veste as calças às pressas, pega o papel que a esposa o havia entregado e sai correndo.

- Boa tarde Beto, faça esse jogo para mim. Zé entrega o papel com os números para o moço da lotérica.

- Seu Zé que jogo é esse? Parece mais um número de telefone.

- Ah não, eu o esqueci no bolso da calça. Eu correndo buscar.

- Sinto muito seu Zé, mas não vai dar tempo.

- Não diga isso. O que eu faço? A minha mulher vai me matar quando souber que eu não fiz o jogo.

- Infelizmente, eu não tenho como ajuda-lo. Por que não faz outro jogo?

- Eu não posso, ela sonhou com os números. Não adianta fazer outro jogo.

- Então o senhor diz a verdade.

- Como posso falar a verdade? Você quer me ver morto, meu rapaz?

- O que posso fazer? O senhor tem duas opções, fazer outro jogo ou contar a verdade para a sua esposa.

- Se contar a verdade ela me interna no hospício. Acho melhor fazer outro jogo.

- Tudo bem, boa sorte!

Zé volta para casa preocupado. Realmente o seu caso era grave. Não podia ter esquecido, não podia.

- Zé você já conferiu o jogo?

- Ainda não.

- Deixa que eu confiro a caminho do trabalho.

- Pode deixar querida, eu confiro para você.

- Como pretende conferir se você não fez o jogo?

- Como pode dizer isso?

- Encontrei isso no seu bolso.

A esposa mostra o papel com os números. Meu amigo você não pode imaginar a cara desta mulher. Não conseguiria descrevê-la. O tamanho da decepção era tanta que o seu corpo todo tremia. Talvez quisesse mata-lo ou estrangulá-lo, ou voar em cima dele ou qualquer outra coisa parecida.

- Oh não! Sinto muito querida eu... eu... eu esqueci e...

- Você sabe o que isso significa Zé?

- Não... Zé responde totalmente desconcertado.

- Nós perdemos a única chance de ganhar algum dinheiro e mudar de vida.

- Você nem conferiu os números, talvez nem tenha saído os números que você sonhou.

- E se tiver saído? Eu vou já conferir. Acho bom você torcer para não ter sido sorteado os números que eu lhe dei.

- Zé você estava certo, nenhum dos números que sonhei foram sorteados.

- Eu sinto muito querida. Zé fala sem saber ao certo o que dizer. – Esse negócio de jogo é mesmo uma grande mentira.

- O que é isso?

- É um jogo que fiz no lugar do que você me pediu.

- Posso ver?

- Mas é claro querida!

- Zé eu não acredito, esses são os números sorteados. A esposa fala totalmente eufórica.

- Verdade? Tem certeza?

- Olhe, confira você mesmo!

- Não pode ser!

- Zé é verdade. Eu já conferi diversas vezes. O seu esquecimento nos deixou milionários.

- Oooohhhhhh!

- O que foi?

- Acho que estou passando mal.

- Estou tão feliz. Se você não fosse tão esquecido não teríamos ganhado.

- Até que enfim a minha distração serviu para algo útil.

- Útil? Você chama isso de útil? Estamos milionários, vamos mudar toda a nossa vida. A sua distração foi premiada Zé!

- Tem certeza?

- Claro, eu anotei os números sorteados para conferi-los em casa com mais calma.

- Você conferiu a data do sorteio e o número do jogo? Fala o esposo ainda incrédulo.

-Sim querido, estamos mesmo ricos, ou melhor, estamos milionários.

- Eta esquecimento booooooommmmmmm!

FIM

Marsla Araújo
Enviado por Marsla Araújo em 10/09/2018
Código do texto: T6445070
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