O vigia medroso
Júlio era um grande vigia, mas tinha um pequeno problema: Tinha muito medo, até mesmo o medo de sua própria sombra. Um pequeno barulho, até mesmo um vulto de um gato era motivo para ele sentir-se mal. Suas mãos tremiam muito, sua visão ficava ofuscada e até tinha problemas para caminhar.
Certa noite, quando deslocava para seu posto de trabalho, ouviu de seu colega, que deixava o posto de trabalho para que Júlio o substituísse, que na noite anterior escutou um forte barulho na restinga abaixo da obra, onde eles faziam a guarnição noturna.
Ficou preocupado, contudo não deu muita atenção, porque sabia que seu amigo gostava muito de brincadeiras e mesmo sabendo que ele tinha muito medo, não deu muita importância. Pensou consigo mesmo que era mais uma piadinha de seu colega.
Mãos à obra, assim pensou. A noite seria longa, porque a obra estava chegando ao final e já se preparavam para a colocação das cerâmicas. Precisava ele ser muito forte na noite, porque as peças de cerâmicas eram muito caras e jamais poderiam ser furtadas.
A noite foi passando lentamente. De vez em quando, ele fazia sua rota entre as casas que estavam sendo construídas. Tudo estava normal. Nem mesmo um gato ou um cão passava pelo local. Estava tudo muito tranquilo.
De olhos abertos, com suas mãos nos bolsos, seu rádio comunicador na frequência indicada, ele caminhava a passos lentos entre um vão a outro. Olhava em cada detalhe e seus ouvidos estavam atentos a qualquer movimentação. Até esqueceu do que seu amigo lhe disse quando chegou ao trabalho. Pensava sobre a noite e estaria de folga no final de semana para fazer o que mais gostava: Treinar lutas marciais.
O tempo foi passando e as estrelas da noite se misturavam às rajadas de ventos que vinham na restinga ao fundo. Era tudo normal. Não tinha fantasma, nem mesmo se ouvia o piar de uma coruja. Dizem as más línguas que o piar de uma coruja era sinal de mal agouro, ou seja, que alguma maldição ou algum mal estaria por vir.
Andou por toda a obra. Ora subia até o portão e observava o que se passava na rua, ora descia e fazia sua ronda para a esquerda, para a direita e para o fundo. Olhava para o alto e via as estrelas que se movimentavam calmamente até se porem no horizonte. Estava feliz pelo gosto de seu trabalho. Andava, assoviava sua música predileta, bebia água em sua garrafinha que carregava na cintura, batia palmas, fazia exercícios como se estivesse lutando, enfim, ia trabalhando e passando o tempo até que o dia chegasse e o novo vigia chegaria para seu lugar.
Por volta das duas horas da manhã, Júlio estava descendo do portão para o lado da restinga, quando ouviu um barulho estranho. A cada passo que ele descia, o som se tornava mais forte e dentro dele crescia um forte arrepio. Não queria assumir se os arrepios eram de medo, se eram de pavor ou se eram algum fruto de sua imaginação.
- É mentira. Não estou ouvindo nada, nem mesmo o meu próprio som de minha bota. São frutos de minha imaginação. Desta forma, Júlio pensava, mas seu coração estava começando a bater mais forte. Não era nenhum problema cardíaco, mas uma liberação a mais de adrenalina para contrabalancear o início de seu pavoroso medo.
A cada passo que ele dava rumo à restinga, seus ouvidos sentiam que o som aumentava. Era um forte som, um barulho insuportável. Parecia vir do fundo da pequena mata, pois lá existia um pequeno riacho, onde alguns pescadores ousavam pescar nos finais de semana.
Pensou mais uma vez ser fruto de sua imaginação. Como sua imaginação iria produzir algo tão forte, que nem mesmo seus ouvidos estavam suportando tamanho comprimento das ondas. Sentiu mais uma vez alguns arrepios, mas pensando ser alguns marginais que queriam fazer-lhe medo, mesmo sabendo que ele era muito cismado com contos do além, viu-se pressionado a tomar alguma atitude. Não sabia o que fazer. Poderia correr, mas se fossem ladrões querendo adentrar na obra para furtar cerâmicas ou ferramentas dos pedreiros.
O tempo lentamente passava. Seus pelos dos braços começavam a erguer e suas pernas já não davam mais passos fortes semelhantes há algum instante. Os olhos queriam fechar, mas ele teria que fazer algo.
O barulho aumentava cada vez mais. O som era tão forte que tremiam árvores, terreno, paredes, pilhas de tijolos e até mesmo os depósitos de água. Os montes de areia sentiam o tremor e começavam a descer areias de cima para baixo. A cada segundo, a complicação parecia mais séria.
De um momento repentino, tirou o celular para ligar para seu amigo, mas viu que o telefone não estava funcionando. Repentinamente, pegou seu rádio comunicador para falar com a central, mas um forte zunido não lhe deixava fazer nada. Pareciam ser ondas eletromagnéticas que somente direcionavam sons em linha reta. Pensou em gritar, contudo sua voz não soava, porque o ruído era tão forte que nem mesmo ouvia seu próprio som.
Ficou imobilizado e não se mexia, até que o som se misturou com um forte chiado em altíssima frequência e entre as árvores, ele viu um forte clarão e a figura de um grande lobo medindo mais ou menos uns cinco metros de altura passando em direção à rua e sumindo na escuridão do céu.
Passados alguns minutos, ele recuperou os sentidos e pôs-se a correr para o abrigo e lá permaneceu até que o outro vigia chegou para assumir o posto de trabalho.