A HISTÓRIA DA IRMÃ CIDINHA
A capelinha do convento era pequena, mas muito bonita e aconchegante; flores do campo enfeitavam o altar e a imagem da padroeira, Santa Terezinha.
Irmã Maria Aparecida, após a missa, passou pelo refeitório do convento, tomou um rápido café e dirigiu-se ao seu aposento para se preparar, pois tinha em seguida uma visita a fazer a uma jovem que estava de repouso por risco na sua primeira gestação.
Chegando à casa da gestante, num bairro de classe média, foi logo conduzida pela mãe da moça ao quarto contíguo à sala. Era um cômodo espaçoso, com uma grande janela com vista para uma praça com árvores centenárias. A peça continha um jogo de dormitório todo em cerejeira, cama, dois criados-mudos e um grande guarda-roupa, que ficava aos pés da cama; e no canto próximo à janela havia uma mesinha coberta por uma toalha de renda branca onde tinha uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e do lado, num pires, um toco de vela.
Irmã Cidinha, como era carinhosamente conhecida por todos, era uma senhorinha de uns setenta e poucos anos, estatura mediana, magrinha, os cabelos sempre presos cobertos pelo capuz do seu paramento, uma tez amorenada, um sorriso fácil e cativante. Apesar da idade, tinha uma disposição invejável; nos seus passinhos miúdos, parecia que deslizava pelas ruas. Entrou no aposento e saudou a gestante:
--- Bom dia, minha filha!
--- Bom dia, Irmã! Que bom que a senhora veio. Estou muito preocupada; na verdade, estou aflita com a proximidade do parto e as condições em que me encontro.
Disse isso e começou a contar tudo, desde a visita ao médico, suas recomendações, os remédios e etc...
Enquanto a moça falava, irmã Cidinha olhava para a decoração do quarto, achando simples, porém de bom gosto Seu olhar percorreu todo o aposento e parou na mesinha; ficou contemplando aquela imagem e olhou pela janela. Na praça, dois bem-te-vis cantavam alegremente na copa de um flamboyant; numa palmeira carregada de frutos, um bando de periquitos faziam uma algazarra e, ao fundo, nos momentos em que estes silenciavam, ouvia-se o cantar melodioso de um sabiá.
Era uma manhã ensolarada, com a temperatura amena. Irmã Cidinha deixou-se levar pelo embalo de tão bela harmonia, que já nem ouvia mais a fala da doente; foi transportada em pensamento ao longínquo tempo de sua infância na roça. A moça, percebendo aquele enlevo da boa senhora, parou de falar e fechou os olhos respeitando aquele momento de recolhimento.
Irmã Cidinha, de súbito, foi despertada como de um sonho e disse:
--- Minha filha, vou lhe contar uma história:
E puxou uma cadeira colocando-a ao lado da cabeceira da cama, com as mãos postas no regaço; enquanto falava, seus dedos longos e finos acariciavam as contas de madeira de seu terço.
Foi há muitos anos, no sertão, numa casa de taipa, ao lado de um roçado, um casal de lavradores recém-casados esperava com ansiedade o nascimento de seu primeiro filho.
Quando se aproximou o dia do nascimento da criança, veio uma parteira para ficar na casa, para não serem pegos de surpresa, já que naquela época não se sabia ao certo o dia em que nasceria a criança; era tudo mais ou menos calculado e, como moravam numa seção de uma grande fazenda, que ficava afastada das demais moradias, o acesso era difícil.
A parteira, por experiência, prevendo que não passaria daquela noite, mandou avisar a mãe da moça e sua madrinha, que vieram para ajudá-la. A noite passou; no outro dia, por volta do meio dia, a gestante entrou em trabalho de parto. O marido, nervoso, e sabendo que não seria necessária sua presença, já que a esposa estava na companhia de três mulheres experientes, preferiu ir para roça, mais para disfarçar seu nervosismo que por necessidade.
A uns duzentos metros da casa, tinha um mato e, logo na entrada, uma bica feita de bambu rachado, numa nascente de água cristalina que vinha de dentro da mata; ao redor da bica, por ser um terreno úmido, havia uma plantação de arroz e o rapaz estava trabalhando ali. Depois de algumas horas, chegou sua sogra muito nervosa; disse para ir para casa imediatamente, pois o parto não foi possível, a criança estava numa posição errada e a mãe já não tinha mais forças, não sabiam o que fazer.
O pai da criança sentiu como uma vertigem com a notícia, mas criou coragem e foi ver a esposa. Entrando no quarto, teve um sobressalto ao encontrá-la completamente exausta, banhada em suor, com o cabelo todo grudando no suor do rosto e no travesseiro.
Não suportando aquela cena desoladora, saiu rapidamente dirigindo-se para sala; aturdido, parecia não reconhecer aquela casa e instintivamente olhou para o canto da sala, numa mesinha onde ficava sempre uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e um pires do lado com uma vela.
O rapaz não era religioso, era analfabeto, um homem rude que desde criança se habituara a dura lida da roça, mas naquele momento de desespero, acendeu a vela, ajoelhou-se em frente à imagem da santa e fez uma oração pedindo ajuda para esposa.
Seu vocabulário era bem limitado, mas ele implorou com toda sua força e com o coração sincero; não tendo mais palavras, só chorava; grossas lágrimas rolavam pela face ressecada do sol, escorriam pela barba e pingavam na camisa já molhada de suor.
De repente ele sentiu como se passasse uma aragem pela sala, a chama da vela pendeu um pouco e voltou à vertical e, ao mesmo tempo, o ambiente foi tomado por uma leve fragrância de rosa; fechando os olhos sentiu uma paz no coração, um alívio na alma que permaneceu assim não se sabe por quanto tempo e só foi despertado por um choro forte de uma criança.
O rapaz não tinha coragem de abrir os olhos; pensava estar sonhando, quando sentiu um leve toque no ombro e sua sogra disse: --- Venha conhecer sua filha.
Quando o pai entrou no quarto, viu a esposa com aparência ainda cansada, mas com um sorriso radiante, parecia outra pessoa; ao lado do seu rosto, embrulhada numa coberta, estava a criança. A emoção foi tão forte que ele não sabia o que fazer, conseguiu apenas dizer: --- Maria Aparecida.
Após aquele momento de emoção, conversando entre eles, as mulheres também confirmaram que sentiram o aroma de rosa no quarto no momento em que a moça sentiu-se revigorada e a criança nasceu.
Irmã Cidinha, arrematou dizendo:
--- E hoje eu estou aqui contando minha história, para pedir a você que tenha fé e tudo correrá bem, pois nossa mãezinha sempre atende aos pedidos dos seus filhos.
Passados aproximadamente dois meses, dessa visita, um domingo de manhã, após a missa na capela do convento, o casal se aproximou da irmã Cidinha dizendo:
--- Trouxemos nossa filhinha para senhora conhecer; o nome dela é Maria Aparecida.
A capelinha do convento era pequena, mas muito bonita e aconchegante; flores do campo enfeitavam o altar e a imagem da padroeira, Santa Terezinha.
Irmã Maria Aparecida, após a missa, passou pelo refeitório do convento, tomou um rápido café e dirigiu-se ao seu aposento para se preparar, pois tinha em seguida uma visita a fazer a uma jovem que estava de repouso por risco na sua primeira gestação.
Chegando à casa da gestante, num bairro de classe média, foi logo conduzida pela mãe da moça ao quarto contíguo à sala. Era um cômodo espaçoso, com uma grande janela com vista para uma praça com árvores centenárias. A peça continha um jogo de dormitório todo em cerejeira, cama, dois criados-mudos e um grande guarda-roupa, que ficava aos pés da cama; e no canto próximo à janela havia uma mesinha coberta por uma toalha de renda branca onde tinha uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e do lado, num pires, um toco de vela.
Irmã Cidinha, como era carinhosamente conhecida por todos, era uma senhorinha de uns setenta e poucos anos, estatura mediana, magrinha, os cabelos sempre presos cobertos pelo capuz do seu paramento, uma tez amorenada, um sorriso fácil e cativante. Apesar da idade, tinha uma disposição invejável; nos seus passinhos miúdos, parecia que deslizava pelas ruas. Entrou no aposento e saudou a gestante:
--- Bom dia, minha filha!
--- Bom dia, Irmã! Que bom que a senhora veio. Estou muito preocupada; na verdade, estou aflita com a proximidade do parto e as condições em que me encontro.
Disse isso e começou a contar tudo, desde a visita ao médico, suas recomendações, os remédios e etc...
Enquanto a moça falava, irmã Cidinha olhava para a decoração do quarto, achando simples, porém de bom gosto Seu olhar percorreu todo o aposento e parou na mesinha; ficou contemplando aquela imagem e olhou pela janela. Na praça, dois bem-te-vis cantavam alegremente na copa de um flamboyant; numa palmeira carregada de frutos, um bando de periquitos faziam uma algazarra e, ao fundo, nos momentos em que estes silenciavam, ouvia-se o cantar melodioso de um sabiá.
Era uma manhã ensolarada, com a temperatura amena. Irmã Cidinha deixou-se levar pelo embalo de tão bela harmonia, que já nem ouvia mais a fala da doente; foi transportada em pensamento ao longínquo tempo de sua infância na roça. A moça, percebendo aquele enlevo da boa senhora, parou de falar e fechou os olhos respeitando aquele momento de recolhimento.
Irmã Cidinha, de súbito, foi despertada como de um sonho e disse:
--- Minha filha, vou lhe contar uma história:
E puxou uma cadeira colocando-a ao lado da cabeceira da cama, com as mãos postas no regaço; enquanto falava, seus dedos longos e finos acariciavam as contas de madeira de seu terço.
Foi há muitos anos, no sertão, numa casa de taipa, ao lado de um roçado, um casal de lavradores recém-casados esperava com ansiedade o nascimento de seu primeiro filho.
Quando se aproximou o dia do nascimento da criança, veio uma parteira para ficar na casa, para não serem pegos de surpresa, já que naquela época não se sabia ao certo o dia em que nasceria a criança; era tudo mais ou menos calculado e, como moravam numa seção de uma grande fazenda, que ficava afastada das demais moradias, o acesso era difícil.
A parteira, por experiência, prevendo que não passaria daquela noite, mandou avisar a mãe da moça e sua madrinha, que vieram para ajudá-la. A noite passou; no outro dia, por volta do meio dia, a gestante entrou em trabalho de parto. O marido, nervoso, e sabendo que não seria necessária sua presença, já que a esposa estava na companhia de três mulheres experientes, preferiu ir para roça, mais para disfarçar seu nervosismo que por necessidade.
A uns duzentos metros da casa, tinha um mato e, logo na entrada, uma bica feita de bambu rachado, numa nascente de água cristalina que vinha de dentro da mata; ao redor da bica, por ser um terreno úmido, havia uma plantação de arroz e o rapaz estava trabalhando ali. Depois de algumas horas, chegou sua sogra muito nervosa; disse para ir para casa imediatamente, pois o parto não foi possível, a criança estava numa posição errada e a mãe já não tinha mais forças, não sabiam o que fazer.
O pai da criança sentiu como uma vertigem com a notícia, mas criou coragem e foi ver a esposa. Entrando no quarto, teve um sobressalto ao encontrá-la completamente exausta, banhada em suor, com o cabelo todo grudando no suor do rosto e no travesseiro.
Não suportando aquela cena desoladora, saiu rapidamente dirigindo-se para sala; aturdido, parecia não reconhecer aquela casa e instintivamente olhou para o canto da sala, numa mesinha onde ficava sempre uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e um pires do lado com uma vela.
O rapaz não era religioso, era analfabeto, um homem rude que desde criança se habituara a dura lida da roça, mas naquele momento de desespero, acendeu a vela, ajoelhou-se em frente à imagem da santa e fez uma oração pedindo ajuda para esposa.
Seu vocabulário era bem limitado, mas ele implorou com toda sua força e com o coração sincero; não tendo mais palavras, só chorava; grossas lágrimas rolavam pela face ressecada do sol, escorriam pela barba e pingavam na camisa já molhada de suor.
De repente ele sentiu como se passasse uma aragem pela sala, a chama da vela pendeu um pouco e voltou à vertical e, ao mesmo tempo, o ambiente foi tomado por uma leve fragrância de rosa; fechando os olhos sentiu uma paz no coração, um alívio na alma que permaneceu assim não se sabe por quanto tempo e só foi despertado por um choro forte de uma criança.
O rapaz não tinha coragem de abrir os olhos; pensava estar sonhando, quando sentiu um leve toque no ombro e sua sogra disse: --- Venha conhecer sua filha.
Quando o pai entrou no quarto, viu a esposa com aparência ainda cansada, mas com um sorriso radiante, parecia outra pessoa; ao lado do seu rosto, embrulhada numa coberta, estava a criança. A emoção foi tão forte que ele não sabia o que fazer, conseguiu apenas dizer: --- Maria Aparecida.
Após aquele momento de emoção, conversando entre eles, as mulheres também confirmaram que sentiram o aroma de rosa no quarto no momento em que a moça sentiu-se revigorada e a criança nasceu.
Irmã Cidinha, arrematou dizendo:
--- E hoje eu estou aqui contando minha história, para pedir a você que tenha fé e tudo correrá bem, pois nossa mãezinha sempre atende aos pedidos dos seus filhos.
Passados aproximadamente dois meses, dessa visita, um domingo de manhã, após a missa na capela do convento, o casal se aproximou da irmã Cidinha dizendo:
--- Trouxemos nossa filhinha para senhora conhecer; o nome dela é Maria Aparecida.