Do que o medo é capaz
Eu não estava em casa, viajava a trabalho, quando aconteceu. A noite caiu e lá pe-las nove horas, minha mulher, sempre preocupada com a segurança da casa, foi até o quartinho do fundo que ficava de frente para o quintal, para fechá-lo. Sem acender a luz da área de serviços, ela se aproximou e quando estendeu o braço e puxou a maçaneta da porta para tranca-la, sentiu um forte empurrão contra sua mão, como se alguém quises-se impedi-la de entrar no quarto. Levou tamanho susto que as batidas de seu coração aceleraram e um arrepio lhe percorreu a espinha. Deve ser um ladrão, pensou de imediato. Ele pulou o muro e se escondeu no quarto para mais tarde entrar em casa e nos assaltar. Amedrontada e bastante alvoroçada, girou rapidamente a chave na fechadura e saiu correndo, temendo que ele saísse do quarto e a atacasse. Rapidamente, entrou em casa e trancou a porta da cozinha.
Assustada e acreditando ter trancafiado o ladrão no quarto, chamou os filhos de doze e onze anos e contou o que tinha acontecido. Era uma pessoa sim, tinha certeza. Tranquei também a porta da cozinha, ela disse. Ficaram calados por um instante, olhan-do uns para os outros, apreensivos. Os meninos falaram em pedir ajuda aos vizinhos. Lembraram que um filho do morador do lado esquerdo tinha uma arma. Ele era mais velho, tinha dezoito anos e certa vez lhes mostrou um revólver, dizendo que era dele e que sabia atirar. Ela hesitou por um momento, mas finalmente, consentiu, e eles foram correndo chamá-lo.
Quinze minutos depois voltaram com o amigo. Ele trazia um revólver. Estava cheio de coragem, dizendo que estava preparado para enfrentar o assaltante. Queria en-contrá-lo logo e resolver a situação. Ela, confusa e assustada com a disposição dele, não sabia se o deixava ir até o quarto. O rapaz sorriu, fazendo promessas de acabar com o assaltante em pouco tempo, enquanto segurava a arma na mão. Era a primeira vez que saía sozinho com aquela arma para ajudar alguém, sentia-se um homem. É claro que teve que sair escondido dos pais, mas já era hora de deixar de ser menino e começar a agir feito adulto e enfrentar o perigo. Depois, de toda esta demonstração de coragem, ela consentiu e todos se dirigiram ao quarto. Chegando lá, ele falou:
- Vamos ficar em silencio. Antes de tudo é preciso prestar atenção nos movimen-tos dele.
Depois, apurou o ouvido na porta, que foi seguido por todos, mas não perceberam nenhum ruído. Em seguida, ele abriu a porta e começou a gritar para que o ladrão saísse avisando que estava armado. Do outro lado da porta reinou um silencio sepulcral. Nenhuma resposta. O assaltante parecia zombar deles. O rapaz encheu os pulmões de ar, pegando coragem, e numa investida ousada, entrou no quarto, acendeu a luz, e apontando a arma para todos os lados, gritava:
-- Apareça ladrão! Onde está este bandido?
Decepcionado, notou que lá não havia, absolutamente, ninguém. Minutos depois, saiu do quarto com o revolver na mão, desapontado, dizendo:
- Aqui não tem nada!
E não tinha mesmo. Minha mulher, movida pelo medo, tinha se enganado. Na realidade, o empurrão que a porta deu em seu braço foi ocasionada pelo vento. Depois dos comentários do rapaz, todos foram para dentro da casa, aliviados. Mas ele, coitado, ficou frustrado por não ter realizado seu primeiro ato de bravura.