Amor imortal
João Antônio da Silva, mas conhecido pela alcunha de Toinho, foi um homem quase desconhecido em sua cidade e poucos souberam de seus muitos amores. Tendo sido um simples pescador, vendia o que pescava no mercado público, muito discreto, voz de tom baixo, poucas palavras, ainda que gostasse de falar de como mergulhara para desenganchar a rede de pescar de uma pedra ou algo do tipo. Casou-se cedo com uma prima distante – Geovana - e não tiveram filhos. O casal residiu sempre perto do rio, o que era mais apropriado para o trabalho de Toinho. Ali fincara as estacas e fizera a moradia.
Fica registrado que Toinho foi um bom marido até quando se diz que nunca levantou a voz ou a mão para a esposa. Chamava-a de “Benzinha” ao que se ouviu no dia a dia que ela o chamava de “Marido”. Ah, quantas e quantas vezes ela contava para as vizinhas e amigas: “Meu Marido isto, Meu Marido aquilo...”!... Foi desse modo que nunca, mas nunca mesmo, nem de brincadeirinha que Dona Geovana suspeitou que Toinho tivesse ”uns amores escondidos”.
O caso se deu que João Antônio saía para pescar em outros locais, distante de casa, ficando até uma semana por lá, e vai que vem, era convidado a fazer refeições na casa de algum amigo pescador e as filhas deste ou de outrem se encantavam por suas histórias (e nem sei dizer como o homem soltava a língua e desatava a contar causos hilariantes ou misteriosos). Cuidava que não Toinho tinha uma mulher para se esquentar nas noites frias – corrijo, nas madrugadas frias (digo e sei do que falo, referindo-me ao frio nas madrugadas às margens dos rios piauienses).
Tudo bem. Amores são amores e alguns passam. Eu mesma sou a mais rica de emoções – vividas e atuais. Mas haverá amor que perdure após a morte?
Ora, o homem é um ser capaz de ter e despertar muitos sentimentos. Como a vida de um ser se enlaça com a vida de outro ser! Por isso não se deve desistir de amar... E foi quando Toinho ficou doente, suspeitando-se de que fosse uma tuberculose (teve durante a vida muitas pneumonias mal tratadas), que seu inseparável companheiro, um cão vira-lata, passava o dia inteiro no encalço de seus pés. À noite, dormia embaixo da rede. E antes de uma aranha ou outro perigo aproximar-se já estava a protegê-lo. Dizem que o cachorro sabia, inclusive, se falavam mal ou bem de Toinho pelas redondezas (faro de animal assuntando o que dizem do dono... Sei não, mas não duvido!).
A história de amor desse animal por seu dono ganhou a cidade, tal como explico nas entrelinhas aqui – encontrei uma referência acerca disso num jornal local datado de agosto de 1987. Nas palavras lidas tive dois conhecimentos assim sugeridos:
Primeiro fato: Toinho morreu deitado em sua rede e o cachorro estava embaixo dela.
Segundo fato: Toinho foi enterrado no quintal de casa (não havia cemitério na cidade) e o cachorro dele passou a dormir na areia do túmulo.
E, então, mais uma observação de que existem amores imortais – ao vender a casa, Geovana precisou deixar o cachorro que se negou (ferozmente) a deixar a cova de Toinho. A mulher provocou suspiros absurdos nos amigos e parentes ao querer matar o animal de tão enciumada pela veneração deste por Toinho – eis a razão de Geovana ter ido embora de sua casinha... Mas se eu disser que entendo a natureza ciumenta, minto!
E se João Antônio da Silva, o Toinho, enquanto viveu, nunca ganhou notoriedade, todavia com a morte, teve histórias – com seu cachorro – tantas que os dois viraram lenda na cidade.