Avião

Na região das terras altas havia um rico fazendeiro. Como a região que morava e produzia era muito acidentada, com poucas e tortuosas estradas, o avião era a principal forma de deslocamento entre suas propriedades, e esse contato íntimo com a aviação fê-lo aficionar-se pelos aparelhos voadores. Portanto, tinha uma pequena frota, e ele mesmo cuidava da pilotagem e manutenção.

Em dado dia, folheando revistas especializadas do ramo, deparou-se com o lançamento de um novo modelo. Foi paixão à primeira vista! Um avião elegantíssimo brilhava na página diante de seus olhos, e logo tornou-se obsessão de consumo. Não tardou e tratou de encomendar um modelo com seu revendedor de confiança. Este, como era já um amigo do fazendeiro, advertiu-lhe que a aeronave em questão talvez não fosse a mais apropriada, justamente pelo fato de que fora desenhada para voo em regiões planas e baixas, e não para terrenos altos e acidentados como era o caso em questão. Porém, como o desejo do homem era grande, ignorou o fato e prosseguiu com seu pedido, no que fora atendido com relutância pelo revendedor do outro lado da linha.

***

Quando enfim recebeu o aparelho, não pôde esconder o maravilhamento que sentia. De fato, o avião era lindo! Linhas modernas, curvas atraentes, grandes janelas e espelhos, trem de pouso reforçado, grande e potente motor, interior luxuosamente decorado… Era fantástico! Abraçou o avião e logo partiu para testá-lo.

A decolagem correu bem, muito confortável, mesmo subindo a partir de uma sacolejante pista de terra. A força do aparelho era formidável, permitindo-lhe uma taxa de subida incrivelmente rápida, e a manobrabilidade era ligeira. Porém, não tardou a perceber as boas razões da advertência de seu amigo revendedor: o avião enfrentava com dificuldade as turbulências da cordilheira, e não podia subir muito porque seu teto operacional já estava perto do limite mesmo na linha dos cumes das montanhas. Portanto, o fazendeiro, experiente na pilotagem, teve que usar de toda a sua habilidade no manche para manter a aeronave em voo estável. Ao pousar, saiu todo dolorido da cabine, tamanho fora o esforço para controlar aquele aparelho arredio. Suspirou, e brincou consigo mesmo, dando-se o apelido de “fly-by-wire humano”.

E assim os dias e semanas se passaram, com o homem dividido entre o desejo e a possibilidade de manter o avião. Conforme suas horas de voo acumulavam-se no controle daquela aeronave, foi pegando alguns de seus jeitos e trejeitos, buscando rotas menos turbulentas e utilizando-a principalmente em dias de tempo bom. Não conseguia disfarçar a frustração de ver seu desejo sendo mal correspondido, mas mesmo assim insistia. A família e os amigos preocupavam-se com sua segurança, mas enfrentou tudo e todos na obstinação ferrenha pela realização daquele sonho.

Por fim, após um quase acidente nas montanhas, chegou a uma situação limite: tinha que decidir se mantinha o avião ou não.

***

Amigos leitores, se vocês imaginam que esta é uma história sobre um homem que seguiu seus receios e desistiu do sonho, estão muito enganados. Decerto, ele teve de tomar uma atitude, pois a situação não poderia persistir daquela forma. Portanto, buscou variar seus investimentos: vendeu algumas fazendas das terras altas e procurou propriedades nas planícies, deixando o avião sediado nessas terras mais baixas, onde seu desempenho era levado à excelência. E isto foi duplamente bom: o fazendeiro manteve o prazer de pilotar seu objeto de desejo, e saiu da zona de conforto, investindo em outras áreas da produção agrícola que não manejava antes, tornando-se ainda mais sabido e rico. E isso foi um grande aprendizado, tornando-se um ponto de viragem na sua vida.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 16/07/2018
Código do texto: T6391522
Classificação de conteúdo: seguro