Pequenas histórias 215
Olhou firme e direto
Olhou firme e direto e, direto e firme, disse com voz de taquara rachada:
- Um uisquinho vai bem, não acha?
Tinha a mania dos uisquinhos. Por qualquer motivo era um uisquinho aqui, um uisquinho ali, e enquanto não secava a garrafa não saia de perto dela.
A única coisa de positivo nisso tudo, é que ele não desabava, não se embriagava, ficava alegre, mas não chegava a ficar com a língua enrolada e muito menos trançava as pernas. Quem o visse depois de entornar uma garrafa goela abaixo não acreditava. Fazia o quatro com as pernas na maior facilidade.
Baixinho, feio, careca, bigode azulado sem cor definida, os olhos inquietos, sempre navegando de um lado para o outro, se destacava com relativo sucesso entre as mulheres. Proclamava-se incorrigível conquistador. Coisa que os amigos colocavam em dúvida, apesar de que viram sair do hotel de braço dado com a loira gostosa do quinto andar.
- Aquela não vale não conta, ela dá para qualquer um, pior que chuchu. – diziam os fisicamente despeitados.
Ouvia os comentários e não dava pelota. Chegava até sentir prazer. Sabia que um dia era da caça e outro do caçador. E ele sempre era o caçador.
Uma noite, depois de levar a caça, sã e salva para a casa, despreocupado pisava no calçamento em direção a estação do metro. Faltavam ainda três quarteirões quando, sem saber de onde, ouviu uma voz:
- Tem fogo?
Olhou para os lados e não viu ninguém. Olhou para trás, ninguém. Continuou andando.
- Tem fogo?
Parou assustado. Quem seria? Não via ninguém. Efeito alcoólico? Tudo bem, mas que o deixasse em paz.
- Vá à merda quem seja. – disse ele.
- Tem fogo? – perguntou novamente a voz sinistra.
Desprezou, não quis saber quem era ou se era alguém mesmo que estava querendo assustá-lo. Não deu resposta, e ao virar a esquina, seu coração deu um pulo dentro do peito. O que viu petrificaram suas pernas na calçada úmida da madruga.
A sua frente estava uma enorme garrafa de uísque que se inclinava para ele.
- Tem fogo? – perguntou a garrafa com um cigarro enorme na boca.
Na boca?! Garrafa tem boca?
No dia seguinte o encontraram morto, abraçado com uma garrafa de uísque onde podia se ver no rótulo um cigarro acesso.
pastorelli