Natal em Família
O natal geralmente é um período que as famílias tiram pra passar juntas, confraternizar ou pode só ser uma grande desculpa bem intencionada para reencontrar com pessoas que você não vê a muito tempo. Foi em um desses reencontros natalinos que aconteceu algo que até hoje nos deixa pensativos, usando a lógica para tentar dar uma explicação cética a algo que nossa mente mundana não entende, mas nossos corações já sabem.
Lembrei desse causo depois de vasculhar alguns antigos álbuns de fotografia que estavam enterrados debaixo de anos de recordações acumuladas. Era uma foto da minha família reunida para a ceia de natal. Eu ainda era muito pequeno, mas lembro que aquele natal ficou marcado por duas coisas que, de certa forma, formam um paradoxo: pela ausência do meu avô e a pela presença dele. Poisé. Pela idade que eu tinha na época, pode ser que a memória me venha sem muita precisão, mas sei que me lembro do que preciso lembrar.
Lembro que todo natal a família tirava pra se reunir na casa dos meus avós, era a nossa tradição desde que me entendo por gente. Sim, uma memória que me veio, neste momento em que escrevo, sobre um desses natais, é a memória da mamãe Noel. Todos levavam seus presentes e deixavam embaixo da árvore, certo momento da noite, uma de minhas tias aparecia com uma roupa engraçada de mamãe Noel, dizendo que o papai Noel ficou preso no trânsito, e ela que iria distribuir os presentes. Lembro também de como era divertido ver todos os meus tios juntos, de como que a zoeira não tinha fim, de como eu, com aquela mente juvenil achava divertido todas as besteiras que eles falavam, mesmo sem entender o significado de metade delas. Lembro da comida da minha avó, como ela se preocupava em deixar a mesa farta, para que todos os seus filhos e netos pudessem desfrutar do melhor que ela tinha a oferecer. E Lembro principalmente do toque que meu avô tinha com o horário. Ele sempre ficava de olho para que, meia noite em ponto, ele pudesse sacar a garrafa de champanhe e lançasse ao ar gritando “Feliz Natal” para todo mundo.
Esse natal em questão tinha uma missão especial, a de reunir minha família depois de um tempo maior separada. Em um dos anos que antecedeu o ocorrido, meu avô adoeceu, não me lembro direito o que era, e por causa dessa doença veio a falecer, deixando a todos com o espírito natalino não tão exaltado como gostaríamos, então cada um comemorou do seu jeito em cantos separados. Algum tempo depois, foi a vez da minha avó ficar doente e, admito, esse foi foi um jeito bem triste de reunir a família. Ela passou bastante tempo no hospital, e depois, mesmo podendo ficar em casa, ainda passou por longas temporadas enferma.
Creio que todos encontraram na breve melhora que ela teve a oportunidade ideal de voltar a comemorar o Natal juntos, depois de dois ou três anos afastados, e foi isso que fizeram.
Chegado o dia 24 de dezembro daquele ano, todos se dirigiram até a casa da matriarca da família. Seria o primeiro Natal que ela passaria com todos os seus filhos e netos depois que meu avô faleceu. Mesa farta, conversas malucas entre meus tios, brincadeiras para as crianças, tudo o que o natal pedia.
A mesa é algo que deve ser lembrada. Ela ficava encostada na parede oposta a uma grande janela. Logo acima dela ficava uma prateleira de madeira com algumas fotos e enfeites, sendo o porta retrato central, uma foto da minha avó com o meu avô.
Foi por volta de 23:40 que um dos meus tios apareceu com a garrafa de champanhe, tirou o lacre e a deixou na mesa: “Já deixar pronto né”, disse ele.
A farra continuou, eu não aguentei até meia noite e pedi um prato com um pedação de frango pra comer. O tempo passava enquanto meus tios debatiam o quanto o cantor de um dos especiais da televisão parecia tão velho quanto o mais velho dos irmãos. Ninguém prestava atenção na hora avançada, se mantinham distraídos, quando finalmente algo conseguiu chamar a atenção de todos ao mesmo tempo: A champanhe estourou sozinha. Sua rolha subiu com força e bateu na prateleira, derrubando apenas um porta retrato, o que tinha a foto de meu avô.
O impulso inicial do coletivo foi exatamente o mesmo, olhar para o relógio. Temos certeza que a rolha estourou meia noite em ponto, o horário da virada para o natal, horário que meu avô sempre prestou atenção absoluta, para jamais perder a chance de gritar “feliz natal” sacudindo a garrafa e abraçando seus filhos.
Deve ter demorado pelo menos um minuto para o arrepio e a emoção dar lugar aos abraços e felicitações. A maioria entendeu isso como uma mensagem do velho, embora outros usasse o argumento da coincidência, alegando que a rolha saiu com a pressão de terem sacudido, mesmo que ninguém tivesse lembrado de fazer isso com antecedência.
Infelizmente aquele também foi o último natal de minha avó, e talvez um dos último que toda a família esteve reunida também, mas mesmo assim, agora, mais de 10 anos depois, quando olho pra alguma foto dessa época, consigo sentir a presença de cada um deles. Sei que em algum lugar minha avó observa para que estejamos sempre bem e felizes no natal, esperando ansiosa para que todos se reúnam de novo, e que meu avô sempre estará lá, do nosso lado, assoprando no nosso ouvido para que nunca nos esqueçamos de pegar a champanhe e abrirmos a meia noite em ponto. Pelo menos assim sempre fiz, para sempre ser o primeiro a dizer “Feliz Natal”