Não dá nem pra reclamar...

NÃO DÁ NEM PRA RECLAMAR...
Miguel Carqueija


Era num desses estados norte-americanos onde existe pena de morte. O advogado estava preocupadíssimo pois seu cliente era acusado de um crime passional bárbaro, executado com requintes de crueldade e pior, as provas contra ele eram esmagadoras. O réu obstinara-se em não confessar o homicídio, mas tudo nos autos estava contra ele, inclusive diversas testemunhas. Acreditava o causídico que seu cliente provavelmente não escaparia da cadeira elétrica.
Por fim, pouco antes do julgamento, o advogado falou secretamente com um dos jurados, que era seu amigo de longa data, fato desconhecido pelo tribunal.
— Olha, sei que é muito difícil, mas será que quando os jurados deliberarem, você consegue convencer os demais a decidir por uma pena de dez anos? É melhor que nada e, se você lograr para mim esse milagre, eu te dou dois mil dólares! Vale a pena porque o cara é rico e está me pagando bem!
— Meu caro, o que é que eu não faço pela nossa amizade e esses dois mil dólares? Deixa comigo, farei tudo o que estiver a meu alcance!
A deliberação do júri foi muito demorada, sinal de que estavam custando a chegar a um consenso. O advogado fumava, o réu roía as unhas, mas afinal o juiz anunciou o veredicto: culpado, condenado a dez anos de prisão.
Dias depois, no discreto local combinado, o advogado levou ao amigo, num envelope, os prometidos dois mil dólares, pois não seria bobo de fazer crédito em conta, coisa que pode ser rastreada. E aproveitou para agradecer:
— Você me fez um favor e tanto, meu caro! Fico muito grato, ainda mais que deve ter dado trabalho...
— Trabalho? Nem me fale. Foi difícil à beça, suei para convencer os demais jurados...
—Faço ideia. Você teve que se esforçar e usar toda a sua lábia, não foi?
— Tu nem imagina. Basta dizer que todos os outros jurados estavam decididos a votar pela absolvição...


Rio de Janeiro, 10 de junho de 2018


imagem pinterest
Nota: este conto se inspira numa anedota que li certa ocasião e que como em geral são as anedotas, não tem origem conhecida e circula por aí sendo contada de diversas maneiras. Eu desenvolvi a ideia dando-lhe o tamanho de um pequeno conto.
Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 10/06/2018
Código do texto: T6360948
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