O HOTEL ABANDONADO
 
   
Na volta da última viagem que fiz para Minas Gerais, eram aproximadamente 2 horas da tarde de uma sexta feira, quando entrei em uma pequena,  mas aconchegante cidade situada a uns 200 quilômetros da divisa do Estado de São Paulo. Como estava cansado, decidi procurar um hotel para passar a noite e terminar a viagem no dia seguinte.

     
Era um hotel familiar, simples, mas muito bem organizado e limpo; os quartos eram no fundo e na frente funcionava um bar e restaurante onde os hóspedes podiam fazer suas refeições. Depois de instalado no quarto e ter tomado um bom banho para relaxar, fui até o bar pensando em tomar um refrigerante gelado, pois o calor era medonho.

   
Chegando ao bar, tive uma grata surpresa ao encontrar um amigo de infância, que há muitos anos não via. Depois dos cumprimentos e perguntas sobre a vida, a família, ele me disse que estava também no hotel, que era vendedor e que sairia no outro dia bem cedinho para visitar um cliente e depois ir embora.

   
Esse amigo chama-se Flávio; fomos criados morando na mesma fazenda, passamos a infância e a juventude juntos. Depois, por força do trabalho, nos distanciamos e, com a correria do diaa dia, perdemos o contato e o tempo passou. Agora ele estava ali com o mesmo sorriso franco e acolhedor, com seu jeito meio maluco que sempre teve, apenas com sinais do tempo que passou e os cabelos grisalhos.

   
Ele me convidou- a tomar uma cerveja e jogar um bilhar, para recordarmos nossa juventude. Eu disse que há mais de 20 anos não tomava bebidas alcoólicas, mas diante da insistência e já que não ia mais dirigir aquele dia, pensei que tomar uma cerveja para comemorar o nosso encontro não faria mal algum.

 
Passamos várias horas jogando, tomando cerveja e recordando as brincadeiras, as brigas ao redor da mesa de bilhar,,lembrando de outros amigos que também andavam conosco; foi realmente uma tarde agradabilíssima. Lá pelas 9 horas da noite, jantamos e ele foi para seu quarto dormir.

   
Eu estava sem sono e me sentindo meio zonzo pelo efeito da bebida, resolvi caminhar um pouco.. Andei dois quarteirões e encontrei uma pracinha muito simpática; bem em frente ficava um prédio de três andares, no térreo uma enorme porta de madeira que estava aberta e, no primeiro e segundo andar, muitas janelas, parecendo tratar-se de um hotel; sentei-me num banco de frente para o prédio e fiquei olhando.

   
Eu estava achando muito bonito, as luzes acesas; fui dar uma olhada de perto, subi uma escada de vários degraus, cheguei num grande saguão em forma de um quadrado; dos dois lados havia duas portas de vidros igualmente grandes e estavam todas com claridade, embora a tonalidade e intensidade de cada porta fossem diferentes.

     
No centro da parede do fundo, havia uma escada em curva para o andar superior e também dos dois lados uma porta pequena de tamanho normal de madeira; ao lado do pé da escada ficava a recepção, com um balcão em forma de meia circunferência, com uma mesa no centro e ao fundo um grande quadro de madeira com muitas chaves penduradas, sem ninguém na recepção.

     
Encostei-me à porta do lado esquerdo; pareceu-me ser  um baile à fantasia e pela decoração do salão e as roupas das pessoas, pude perceber tratar-se do século XIX; os casais valsavam alegremente; em torno da pista de dança, havia mesas, poltronas onde cavalheiros fumavam charuto, outros, juntamente com suas companheiras bebiam champanhe. Era inacreditável, estava lindo o salão, iluminado por muitas velas em castiçais dourados, tudo rigorosamente ao estilo elegante do século XIX.

     
Fui até a porta do lado direito, vi que era também um baile à fantasia, mas este já do século XX, lá pelas décadas de trinta ou quarenta; também pela decoração e pelas vestimentas dos participantes, não restava dúvida tratar-se da mais alta sociedade. Como a região foi grande produtora de café, talvez ali estivessem muitos cafeicultores, ou até barões com suas esposas elegantes, tudo a rigor.

   
Fiquei admirado, pensando como uma cidade pequena como aquela tinha condições de organizar na mesma noite, dois bailes à fantasia em estilos e época diferentes; voltei para o hotel pensando nisso.

   
No outro dia, quando fui tomar o café da manhã, meu amigo já tinha ido embora. Durante o café fiquei conversando com o dono do hotel e comentei com ele sobre a minha admiração por uma cidade tão pequena, organizar uma festa à fantasia perfeita como aquela, ainda em dois estilos.

--- De que festa você está falando?
--- Da festa à fantasia que teve ontem.
--- Onde foi essa festa?
--- Num hotel, na praça a 2 quadras daqui.
   
Ele olhou para mim como se olhasse para um demente:

--- Que foi? Falei alguma besteira?
--- Você está zombando de mim?
--- Zombando? Não! Por quê?
--- Este hotel está abandonado há quase trinta anos.
--- Não pode ser, eu estive lá e vi, o hotel estava todo iluminado e as pessoas dançando.
--- Olha, não sei que brincadeira é essa, mas não tenho tempo para isso, vou atender outros clientes. ’

Eu terminei meu café, fui até o quarto, arrumei minhas coisas, acertei a conta de tudo que tinha gasto, me despedi do homem e saí. Ele ficou me olhando desconfiado, ainda achando que eu não era bom da cabeça.
 
Eu saí sem entender nada do que aconteceu e pensei, vou passar lá para ver o hotel, deve haver uma explicação para tudo isso. Quando cheguei à praça, meu coração disparou: realmente o hotel estava abandonado e pelo seu aspecto, há muito tempo.

 
Fui embora pensando: “será que vi fantasmas, ou pelo efeito da bebida eu dormi sentado no banco da praça e sonhei tudo aquilo?”. Mas parecia tão real...
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 03/06/2018
Reeditado em 15/11/2020
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