III - A chegada dos Europeus
Bom, com a abolição dos escravos, precisava muita mão de obra barata. Vieram os europeus, de todos os países, principalmente da Itália. É de um desses italianos que quero comentar.
Chegou no Porto de Santos, um desses navios com muitos italianos, e outras raças de europeus. Lá já estavam os fazendeiros, coronéis da época, esperando a tal mão de obra para suas fazendas de café. Uma dessas famílias, composta por dois irmãos e uma irmã, foi levada para Brotas, para ali trabalharem na capina do café. Um dos irmãos, o mais velho, carpiu até a hora do almoço, jogou a enxada para cima dizendo “Questo non fa soldi con questo” (Com isto aqui não se faz dinheiro) se referindo ao trabalho na enxada.
Saiu da fazenda e foi tentar a vida de outro modo; começou pegando cavalos velhos, que para os fazendeiros não serviam mais, os comprava por um preço irrisório, engordava-os um pouco e vendia por um valor bem maior, para outros patrícios. Foi um bom tempo fazendo esse tipo de negócio, até que descobriu que tinha um talento e uma noção de aritmética.
Passou a ser agrimensor. Então os fazendeiros ofereciam-lhe algumas terras que estavam sem aproveitamento nas grandes fazendas, para que ele as medisse e desmembrasse, para serem vendidas. Logo, ele estava negociando estas terras. Foi ganhando a confiança de um bom trabalho prestado e logicamente, dinheiro. Assim começou um negócio bem rendoso na época. Foi acumulando e empatando em terras. Pegava grandes propriedades, dividia-as, vendia até apurar a quantia desejada pelo dono da terra e ficava com o restante da área.
Como quase toda família de antigamente, gerou onze filhos, cinco homens e seis mulheres. Todos criados em uma das fazendas que ele escolheu, por ter uma escola não muito longe. Os filhos foram criados, sem muito a presença do pai, que vivia em outras propriedades, medindo-as e vendendo-as, o que lhe tomava muito tempo. De vez em quando chegava em casa, abastecia a despensa, fazia outro filho e tchau. Assim foi um bom tempo, criou todos os filhos, os mais espertos até que estudaram um pouquinho, principalmente as mulheres.
Os filhos que agora já eram quase homens, foram sendo distribuídos pelas terras que ele tinha adquirido, mas sem muita orientação e condições de progredirem. Mas toda família tem um que é mais astuto, no caso dessa era o irmão mais velho, sempre queria levar vantagem sobre os outros. Com os filhos tomando conta das terras, ele o pai, foi adquirindo casas, terrenos, e continuando a negociar, formou uma grande fortuna.
Mas como tudo nesse mundo, tem um fim, e já avançado em anos, o pai morreu. Lá vem o mesmo que aconteceu com aquela outra família, inventário, divisões, brigas, discussões; só com a diferença que esta, tinha muito mais coisas que a outra. Como tinha casas, terrenos, uma boa quantia em dinheiro e cinco fazendas, não foi muito difícil as divisões.
Para as seis herdeiras, deu-se as casas, terrenos e uma quantia em dinheiro; para os cinco herdeiros, uma fazenda cada um. Todos foram tocar a sua vida, as mulheres, todas casadas e formadas, mudaram-se para São Paulo e lá criaram seus filhos. Cada um dos homens foi para sua fazenda, e uns plantaram café, eucalipto, lavouras, criaram gado, cavalos, porcos etc. Coisas de fazendas mesmo. Como os tempos e governos foram mudando, a economia também. Tempos difíceis foram chegando, os filhos crescendo, dificuldade de locomoção, comunicação quase não existia, um dos irmãos, o mais velho, começou a querer os produtos que os outros conseguiam produzir; porque segundo ele, os advogados precisavam de dinheiro, para acertarem os negócios que o pai tinha deixado sem terminar, quando morreu.
E assim se passaram vários anos, demandando com pessoas que tinham sido sócias do pai, e agora queriam ficar com tudo. Haja dinheiro. Uma das sociedades que o pai tinha, com um homem muito influente na época, hoje é uma Usina de Açúcar e Álcool, veja o tamanho das demandas. Com essas encrencas todas, as fazendas não venciam produzir para que o primogênito pagasse advogado. Reuniram-se os quatro e deram um basta na situação, perdeu-se umas causas, mas enfim, as fazendas ainda estavam lá.
Vocês se lembram da Herança Maldita, aqui não foi diferente. Logo, logo o primeiro vendeu sua fazenda, e partiu com seus filhos para outra atividade no comercio, durou uns bons tempos, mas não prosperou. E assim foi, cada um tocando a vida, até que por uma tragédia na família, o caçula dos irmãos, acabou vendendo as propriedades. Restou três dos irmãos com as propriedades originais. Dois deles como tinham vários filhos, dividiu entre eles, se tornando sitiantes, ou chacareiros. Restou somente o que era acima do caçula, já com um pouco mais da metade do que tinha recebido por herança. Este tinha somente um filho, que assim que se formou, também foi para a fazenda, agora já com tamanho bem menor.
Recém-formado em zootecnia, chegou com toda a euforia dos jovens. Encontrou as terras mais ou menos abandonadas, com pouca produção, pouco gado, que o pai comprava e vendia para que pudessem sobreviver; engordavam alguns porcos e mantinha duas ou três famílias que plantavam, milho, arroz, feijão, mandioca e repartiam a produção, ficando a terça parte para a fazenda. Foi tomando pé da situação, e logo percebeu que muita coisa precisaria mudar. Começou comprando um trator e ao invés de preparar as terras no peito de burros, como faziam, a fazenda preparava as terras e agora a divisão da produção seria de 50% para cada um. Já houve um aumento de produção, porque além do preparo da terra ter sido melhor, também foram feitas as análises do solo e corrigida sua acides, e de usar os adubos necessários para cada lavoura.
Vamos aumentar a produção de leite. Formar as pastagens, melhorar o gado, fazer silagem, capineiras, implantar o Sistema Voisin. Isso tudo demanda tempo e muito dinheiro. De 100 litros no começo, chegamos a 1000 litros, já com ordenhadeira mecânica e muita técnica.
Nesse meio de tempo fui convidado pelo Sr Gijo, Secretário da Promoção Social do Estado de São Paulo, a ocupar um cargo na referida secretaria. Aceitei, meio à contra gosto, aguentei seis meses, pedi uma licença e nunca mais voltei. Dizia-se naquele tempo que ser funcionário público, era para quem não queria trabalhar.
Estava começando a se implantar a Avicultura. Começamos as construções dos galpões para 50 mil frangos de corte. Com tudo virando satisfatoriamente, vamos pra mais uma atividade. Fazenda que se preza, tem que ter café. Preparamos as terras, análise de solo, corrigida para o plantio de 25 mil covas de café.
Como na época, para se conseguir fazer produzir, precisava de muito investimento, o jeito era entrar nos financiamentos bancários. Tudo era financiado, tratores, gado, galpões, café, calcário, adubos; tudo ia funcionando direitinho; as parcelas dos financiamentos sendo pagas em dia, tudo nos conformes. As casas todas reformadas, a sede recém-construída. Os funcionários trabalhando todos contentes e com muita dedicação.
Mas, como já foi comentado aqui, o início de tudo foi uma herança. Aconteceu num ano só, a maldição da herança, não tem outra explicação. A vacada de leite foi acometida por uma Febre Aftosa, mesmo tendo sido feito as vacinações regularmente, a produção veio a zero, além do estrago nas vacas, que depois de recuperar algumas delas, foram vendidas, por valores bem abaixo. O café que tinha produzido muito na safra do ano anterior, tinha sido quitado o financiamento, aconteceu uma tal de Geada Negra, não sobrou um pé de café. Como tinha pago todo o financiamento do café, não teve seguro. Devido a avicultura, ter crescido exageradamente, o consumo não acompanhou a produção, resultado, preço do frango lá em baixo, lucro, quase nada.
Com estes acontecimentos, a coisa foi se tornando inviável. Sem renda, financiamentos chegando os vencimentos, um balde de água fria, os funcionários já com um certo desânimo, os do leite saindo e sendo indenizados. Meu pai queria ter ido para Goiás a muito tempo, dizendo que lá era melhor, porque era um estado novo, as chances de dar certo, eram maiores, mas eu achava que aqui também se podia vencer.
Plantamos arroz em um dos pastos, veio um veranico, justamente na hora que estava granando, quando mais precisava da chuva, não colhemos nem para o gasto. O milho que tínhamos plantado onde foi cafezal, produziu cem por um, onde tivemos alguma renda, aquele ano. Mas precisava tomar uma decisão, porque o tempo não perdoa, nem os bancos.
Um belo dia chegou o Gerente da Usina mais próxima, sabendo dos acontecimentos, nos fez uma proposta, que no momento, parecia ser a salvação da lavoura. Suas terras são planas, não muito distante da usina, vamos plantar cana. Em pouco tempo estava tudo preparado para o plantio da cana, eles faziam tudo, e a fazenda só pagaria com a própria produção. Somente teríamos que financiar o calcário e o adubo, e mais alguns tratores, para o cultivo da cana.
Depois da primeira safra, o gerente me fez uma proposta de sociedade para que arrendássemos os sítios que dessem para plantar, a usina faria a maior parte dos serviços, cobraria quando da colheita das canas; eu entraria com os financiamentos dos insumos e dos tratos culturais. Plantamos uns cinquenta alqueires na sociedade, cinquenta por cento para cada um, com mais uns setenta da nossa propriedade, esse fora da sociedade. Nos três primeiros anos de sociedade, foi uma maravilha, negócio muito rendoso, trocamos carros, comprei camionete nova, tinha vários cavalos caros (meu hobby). Ia andando às mil maravilhas.
Uma manhã, bem cedinho chegou um funcionário da Usina, me trazendo um recado, que o Dr, dono da usina precisava conversar comigo urgente. Chegando lá, fui recebido em seu escritório particular, que tinha uma mesa de uns quatro metros, cheia de contas. Um homem muito educado, começou perguntando das lavouras como estavam para a próxima safra, disse-lhe que eu achava que estavam melhores que as passadas, e levou a conversa um pouco mais adiante, talvez para ver se eu falava da tal sociedade; como eu não falei, ele foi direto ao assunto. O gerente já tinha sido descoberto e demitido do mais alto cargo da empresa.
O Dr então me mostrou toda aquela papelada da mesa, e falou: você está vendo todos esses papeis aqui, são todas as contas que você deve para a usina, dos seus arrendamentos. O gerente, meu sócio oculto, não tinha pago em nenhum ano, as despesas da usina. Aprendi a pagar as contas que fazia, não culpei ninguém, e assumi a dívida para ressarcir a usina com as três próximas safras, no que ele concordou. O Dr perguntou como eu tinha feito a sociedade, eu simplesmente lhe retornei à pergunta, se a usina também havia confiado nele, me respondeu, tanto que ele gerenciou dose anos (“Maldito o homem que confia em outro homem”), foi demitido por justa causa, porque não foi só com você que ele se aliou.
Voltei para casa arrasado, entrei em nossas terras, me ajoelhei em baixo de uma árvore, e chorei. Veio me uma voz, não sei de onde e disse: “Sai da tua parentela, e vai para uma terra estranha, que eu te mostrarei”, Depois que fui saber que estas foram as Palavras que Deus falou para Abrão, quando ele estava com problemas em sua terra. Fiquei com aquilo na cabeça por vários dias. Pensava na família, no meu pai que estava na cama, pois tinha sofrido um AVC e paralisado um lado do corpo, além da Doença de Alzheimer que já estava sofrendo. Depois de muito pensar e conversar com minha família, e levando em conta, que meu pai já queria ter ido para Goiás, a muito tempo, resolvemos vender a propriedade e comprar outra naquele Estado. Eu acho que Deus estava naquele negócio, porque só falei com um corretor e quinze dias depois, estava vendida. A herança original acabou ali, mas não a maldição. Pagamos tudo quanto foi conta, compramos uma camionete e partimos pra Goiás. Eu, um primo meu e um amigo. Andamos Goiás e hoje Tocantins, de ponta a ponta. Acabei comprando em Orizona. Na época um alqueire aqui, comprava dez alqueires lá
Daí mudança não é coisa fácil de ser realizada. Até que terminei uma casa lá e documentações, passou-se quase um ano. Mudamos na hora certa, pois tudo lá estava começando. Sem asfalto, longe de Goiânia, longe de Catalão e longe de Brasília. Pra onde saísse era 150 km de estrada de terra. As lavouras de arroz precediam as de soja. Não vou me alongar muito nesta fase da nossa estória.
Moramos uns bons tempos em Pires do Rio, GO. Tivemos muito gado, plantamos milho, arroz; acabamos perdendo uma das fazendas com lavoura de arroz. Mas o espírito de Corretor de Imóveis, já estava correndo pelas veias. Era comprar, arrumar, enfeitar e vender fazendas. Nesses anos passou quinze fazendas, grandes e pequenas, em nossas mãos. Com a volta para Rio Claro, SP, acabou ficando mais difícil, este tipo de negócio. Passei a ser somente Corretor de Imóveis, e com a Graça de nosso Bom Deus, estamos sobrevivendo a uns vinte anos, nessa atividade.
Rio Claro, 14 de março de 2018.
Luiz Antônio Piccoli.