II - A Herança

Você já deve ter ouvido um ditado muito antigo, que diz: “Pai rico, Filho remediado, Neto remendado”. Pois é, a tal herança, parece ser maldita, porque os herdeiros para recebe-la, alguém teve que morrer. Já começa errado, com morte no negócio, daí a passar para a maldição, é um piscar de olhos.

Grandes propriedades de antigamente, abrigavam famílias numerosas, muitos filhos que iam se casando e ficando trabalhando nas mesmas, aí iam formando suas proles. Com tanta gente trabalhando para o mesmo fim, é lógico que a prosperidade viria de qualquer jeito, sob a gerencia do mais velho. De tudo tinha ali, muito gado, cavalos, carneiros, galinhas, patos e marrecos, gansos, porcos. Desses animais vinham, o mel, o leite, queijos, manteiga, requeijão, doce de leite, ovos, carnes, toucinho, linguiças, chouriço, salames, carne seca, etc. Bom, daí as lavouras entravam com o café, milho, arroz, feijão, mandioca, cana de açúcar, rapadura, açúcar mascavo, hortaliças, laranja, limão, frutas como abacate, abacaxi, melancia, manga, mamão, goiaba, cajá-manga, jaca, seriguela, etc. Sem falar nos temperos como pimenta, pimentão, manjericão, açafrão, gengibre, e mais alguns que não me lembro. Com toda essa produção, o que teria que comprar? O sal, e só.

Com essa fartura toda, o irmão mais velho, que tudo comandava com mãos de ferro, como se dizia, só tinha que comprar roupas, botinas, chapéus, tudo igualzinho para a família toda. Com as cozinhas abastecidas, vendia-se o excedente de tudo. Se quisessem compravam mais terras a cada um ou dois anos, mas a prioridade não era essa, já tinham o bastante para viverem.

Mas, como tudo nesse mundo chega ao fim, o “velho” morreu. Ai vem um inventário. Como em toda família, sempre tem um que, além de trabalhar menos que os outros, é mais ganancioso, mais astuto, o que ele vai acabar sendo? O inventariante; ai vem a Herança Maldita.

Como num enxame quando morre a Rainha, assim ficou essa Família. Ninguém se entende mais, um não olha na cara do outro, não se trabalha mais como antes, um com inveja do outro, porque a casa era maior que a dele, as mulheres que antes trabalhavam juntas, fazendo deliciosos doces de abóbora, goiaba, manga, laranja, etc.; já nem se cumprimentam; a criançada que jogavam bola, bolinha de gude, rodavam pião, agora só lutam, que mais parece briga. Não há entendimento entre os herdeiros, é só discussões, más palavras, xingamentos.

O inventariante, sempre querendo levar vantagem, uma hora fala uma coisa, depois muda de opinião, enfim não há acordo de jeito nenhum. Como é o que tem acesso ao advogado, que também de hombridade e honestidade não tem nada, juntou-se a fome e a vontade de comer, e então depois de anos e muitas brigas, o dinheiro que o velho guardou, tinha sumido; a alegação do gatuno, que o advogado custa caro, os cartórios e o agrimensor, uma fortuna. Não tem mais dinheiro, vamos vender o gado, não deu nem pro cheiro; foi-se vendendo, cavalos porcos, carneiros, galinhas, acabaram-se os animais à custa de muitas brigas. Essa medição de terras que não acaba nunca. Cada vez mais desavenças, o café que estava estocado, vendeu-se, vamos repartir um pouco de dinheiro cada um, porque precisa comer, arroz acabou, feijão ninguém mais plantou; é, começou a escassez, falta tudo. Cada um tenta se virar como pode.

Bem, saiu o bendito e demorado mapa da fazenda, os mais espertos se juntando, o espírito da maldade já se instalara naquela família há muito tempo, e as divisões começaram. As herdeiras, coitadas, caíram nas pirambeiras, nas matas, nos brejos (para elas está bom, nunca trabalharam). Aos herdeiros, que não são poucos, repartiu-se as melhores terras, as partes mais planas (para o grupinho do inventariante). Para os que realmente trabalharam nos bons tempos, sobrou um pedacinho, tirado na sorte. De fazendeiros se tornaram chacareiros.

Assim se foi uma propriedade que era tão prospera, acabou-se em chácaras ou sítios, que mal dá para a sobrevivência dos que ali moram. Mas não demora muito tempo, mesmo as chácaras e sítios vão sendo vendidos, porque não dá para segurar mais. Lembram-se do abençoado, lá do começo do texto, pois é, vai comprando e revendendo. Assim foi a fazenda que era um exemplo, comida pela Herança Maldita.

Vamos esquecer esta fazenda e partir para um outro modelo de situação, quase parecido. Do imigrante que veio do seu país num navio, foi levado para uma grande fazenda de café, porque tinha acontecido no Brasil, a Abolição da Escravidão.

Rio Claro, 14 de março de 2018.

Luiz Antônio Piccoli.

Luiz Antonio Piccoli
Enviado por Luiz Antonio Piccoli em 15/05/2018
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