A Missa e a Pedra

“Quando olhei a terra ardendo

Qual fogueira de São João

Eu perguntei a Deus do céu, ai

Por que tamanha judiação”

Luiz Gonzaga

Já faz bastante tempo, eu ainda era criança e costumava escutar as anedotas e os causos da minha avó. Apesar de que ela adorava inventar estórias, acredito eu que muitas delas foram verdadeiras, não só, pela veracidade dos fatos contados por si mesmos, mas também, pela necessidade de concebe-las, porque quem escuta a verdade, realmente, sente e presente que é verdade.

E isso foi há muito tempo, lá no sertão, aconteceu um fato mirabolante com um homem chamado Pedro, mirabolante, não apenas pelo acontecido em si, mas também, porque levou uma vida inteira para acontecer. Minha avó o chamava de Seu Pedo do Sertão que ficou conhecido como o Pio da seca. E a estória começou mais ou menos assim...

Anda Pedrinho, tu vai chegar atrasado na escola, visse! (Disse a mãe em tom furiosa).

Tô indo mãe! (Exclamou Pedrinho apresado).

Assim, começara a vida de Pedrinho, menino de 10 anos, indo de casa para a escola. Recém chegado em uma localidade muito castigada pela seca no sertão para viver numa propriedade herdada dos avós do pai de Pedrinho, era um casa humilde feita de pau-a-pique e de chão batido no meio de 30 contas de terra e na frente da casa haviam dois pés de juás e um poço muito fundo que puxavam água à lata e um tronco de árvore seco na entrada da propriedade com uma característica bem estranha por estar retorcido e oco e com um abertura parecendo uma boca aberta.

E assim, Pedrinho, todos os dias nas suas idas e vindas entre a escola e sua casa passava por este tronco e sentia não só medo, mas também curiosidade, porque imaginava que aquela boca quisesse dizer alguma coisa para ele.

E certa vez, ele conversou com seu pai a respeito do tronco:

Pai, porque o senhor não corta aquele tronco na entrada da nossa casa? (Perguntou Pedrinho com ar de preocupado).

Não posso, Pedrinho, por mode de seu bisavô antes de morrer me fez um pedido de não cortar aquele tronco e eu jurei pra ele que não ia cortar. (Afirmou o pai com ar de convicto).

Oxe pai, Mas bisavô não tá mais aqui! ( Exclamou Pedrinho).

Juramento é juramento meu fi, um homi tem que honrar(Retrucou o pai).

Alguns dias depois, chegou um vigário para igreja do vilarejo que se situava a meia légua da propriedade da família de Pedrinho.

Domingo de manhã, dia importante para os sertanejos irem à igreja rezar por melhores dias e pedir a Deus para aliviar seus sofrimentos. Nesse contexto, tem-se a primeira missa da localidade de Pedrinho.

Vamos Pedrinho, anda, vamos chegar atrasado na missa. (Grita a mãe de Pedrinho).

Pedrinho corre batendo o pé no chão seco e pisado, levantando a poeira e, para por um instante, olhando para o tronco e do nada, pega uma pedra e coloca dentro da árvore e segue atrás de seus pais.

No domingo seguinte, indo com sua família para a missa, novamente Pedrinho para diante do tronco e coloca mais uma pedra. Assim, Pedrinho adquire o hábito de colocar uma pedra todos os domingos ao ir à missa.

Os anos se passam e os pais de Pedrinho falecem. Algum tempo depois, Pedrinho se casa com uma jovem da localidade e se torna agora Seu Pedro, homem sério, respeitado e pai de filhos e, apesar de todo esse tempo e todos esses acontecimentos, Seu Pedro nunca falto uma missa na igreja de sua localidade.

Mas dizem que para tudo tem um dia, e justamente nesse dia, nesse domingo, aconteceu o que nunca tinha acontecido:

Vala minha nossa Senhora! Aquele jumento está morrendo de sede! (Exclamou seu Pedro espantado).

Em frente a um barreiro de um poço que fica às margens de um rio efêmero, fazia mais de um ano que não passava água por esse rio e um jumento já fazia dias que não conseguia beber a água do barreiro, então Seu Pedro se propôs a ajudá-lo, desmontou do seu cavalo e desceu até o barreiro e com o chapéu de massa, ficou dando água ao jumento, depois de várias e várias vezes, levando água para o sedento animal, o saciou.

Feliz por ter ajudado a uma pobre criatura e triste por ter a primeira missa perdida, voltou para casa, pegou seu machado e se dirigiu ao tronco, tronco que fez parte da sua vida, que fez parte da sua história e quem sabe de quantos dos seus antepassados esse tronco fez parte?

Seu Pedro se aproximou do tronco e o encarou e viu a boca do troco, também o encarando, ele baixou a cabeça e tirou o chapéu como se aquele momento fosse um momento de respeito – um momento que todos os homens tiram os seus chapéus. E com uma gota de suor caindo em sua face, levantou o machado e deferiu um golpe, respirou fundo e deferiu outro golpe, depois pensou naquele dia em que colocou a primeira pedra e deu mais um golpe, vendo o tronco sucumbir ao chão. Ficando um buraco na base que continha uma botija de moedas de pratas e ouro e apenas uma pedra em cima do pequeno baú.

José Carlos Pereira de Farias

Autor