Clara e ingênua lua cheia  banhava a meninada a brincar de cabra-cega no terreiro. Generoso repassava na memória a cena de quando saiu de casa. Quase menino, tinha apenas 17 anos. Saiu porque  era preciso buscar noutras fontes,  a ponte que permitisse a realização dos  melhores sonhos. Trabalhar, estudar  e ser fazendeiro. Ausente. Muito longe de sua terra, o filho  não vê a hora de retornar a seu canto. Contar  a história de sua vida em livro. 
 Foi.
Não pra São Paulo. Foi em Minas que  Generoso  conquistou Corina. E recebeu em herança, léguas e léguas de terra.  Chapada boa para criar gado. Mas o fazendeiro  desgostou-se com um cunhado. Agastou-se e vendeu a fazenda  em Mirabela por bom dinheiro. E sem precisar fazer nenhum inteiro, comprou bom pedaço em Juramento.  Trabalhou, foi feliz e também sofreu. Até morreu, mas não ficou devendo nada a ninguém.  As páginas do livro da vida dele foram escritas com suor, lágrimas e sangue. Isso porque, o nordestino acredita na sorte, não teme nem a morte, se estiver  de barriga cheia.

Preparada a terra para o plantio, arde na pele o fogo da coivara; e no coração, a saudade incendeia. As cadeiras de couro curtido, dispostas, desordenadamente na calçada, era palco e plateia do divino espetáculo da vida. Quanta saudade do tempo em que  no colo do pai, o filho cantava   “Lencinho branco” de Núbia Lafayette. O sertanejo, mal  se atreve a pensar em saudade. Embora só se tenha saudade do que bom, ele sofre calado a saudade, se for sofrimento. Se alegria e prazer dize-o aos quatro ventos.

— Em que pensas tu, Generoso?
— Penso que é hora de voltar pra casa.
— Para Vitória da Conquista?
— Não. Para o lugar de onde viemos.
— O céu é aqui.
— Aqui é escada.

No céu, a índia Apinajé  esperava o marido. Mas o  relógio dele anda atrasado.  Apinajé eleva uma prece à Virgem Imaculada da Conceição: Daí pressa Senhora, em favor do mundo...

 Nhá Santa reza o terço e intercede pelo filho postiço. Criado por ela, com muito amor. Nossa Senhora Aparecida chega trazendo Onofre pelo braço. A família é toda reunida. Apinajé toca cangoeira. Cuiarana dança.


— Esses são teus netos, pai!

O cacique ergue três tendas. O dono da venda aparece brincado com um tatu-bola. O tatu rola... Escapa das mãos do goleiro. A torcida grita: ‘goooool... ’ O tatu perdeu. Ganhou o time do santo.

— São Jerônimo acudiu-me. Honrou seu nome — Disse Jerônimo.

Doutor Adilson confere o registro na pia batismal. Norberto é seu nome no céu.

— Não aceito purgatório, disse a mulher de Norberto.
— Direto para o céu?  Isso é que é ter fé.  Com que nome entrou aqui? Quis saber Norberto, que é o mesmo Adilson, que é o mesmo Dílson...

Edna fez-se de não entendida.

—  Por onde andaste, tens visto Dilsinho?
— Está brincando com os irmãos.
— Brincando? Ele já tem Neto.
— Aterrissa, Menina. Estamos no ano de mil e novecentos e tempos atrás. Nossos filhos ainda são pequenos. Olha a liderança do Dilsinho. Aquele menino vai longe, logo o nome da família estará na história  fazendo  parte da memória de Montes Claros.

— Desde pequeno ele  foi assim, decidido.  Não há distância que seu braço não alcance. E quando toma uma decisão... Até ameaçou processar Generoso, se este declinasse o verdadeiro nome de seus personagens no livro que o poeta e fazendeiro escreveu  com a caneta na mão da neta.

— Edna, psicografia é uma farsa. No céu tudo é verdade. A mentira não prevalece.
— Não é psicografia, Dílson.
— Como não? Se Generoso depois de passar para o outro lado da vida, escreveu com a pena na mão da neta, não é psicografia?
— Ô, meu  Cheiro! Tudo estava escrito. A menina  apenas organizou a obra. Acrescentou alguma coisa que só era conhecida na oralidade. Generoso é a própria história de Juramento.

 — Dilsinho desfez a ameaça e até ajudou a neta do fazendeiro concedendo-lhe valiosa entrevista sobre a cavalgada que partiu da fazenda Lambari, até a margem do Congonhas, com alguns vaqueiros da fazenda Campo Grande, anos após a morte do coronel Generoso.
— Saíram de minha fazenda e eu não fiquei sabendo?
— Ora, já estavas do lado de cá.
— Posso estar em qualquer lugar e ao mesmo tempo em vários lugares.

***
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