A noite cai como uma sentença, e novo dia  se levanta, no berro do boi; no galo que canta, na galinha que cacareja e no enxadeiro que  pranteia: Nesta sequidão medonha, o que se semeia, nem tudo dá.  Há pouca água nos rios e nem frio faz mais como nos tempos de outrora em Minas Gerais. O pasto é pouco. A fome tem pressa de chegar.  É hora de levar a boiada por um  caminho sem volta. 

 Acertado com o patrão,  começa a jornada de boi rumo ao calvário. Cavalos e cavaleiros  conduzem a vítima de propiciação ao trem que levará o gado ao corredor da morte. Boi de corte  paga com a carne tudo que consome. 
  
Avante, Mimoso! Vai Pimenta-de-nico.  
Fecha o bico Campeão.Jardineiro... 
Carapintada...Nanico...Boi estrela.... 
  
Evem  o boi olhando o pasto, a solta, o bezerreiro e a casinha de curral. Tudo  fica para trás. Saudade da vaca apartada da cria. Em logo, ela entrará o cio...É assim vida de gado: vem a saudade incendeia o coração do boi. E vai o boi pela estrada da vida... Ninguém reconhece sua lida, nem quer contar sua história; conversa de boi fica no ar. Tudo que ele comeu, cai como uma  sentença  sobre sua cabeça: “Está pronto para o abate.” 

— Ora boi Bonito. Se você quer viver mais, tem que aprender a pular.
— Pular cerca? 
— Não! Pular em rodeio. Ser derrubado na cama de areia por um vaqueiro. Ficar famoso. Se apresentar em Barreto. Sair na revista e na TV... 

Boi Bonito chora. E lamenta:  

— Vida boa de gato. Só  come e dorme. Ronrona sem parar. Nada mais ele faz além de dormir e sonhar. Vida boa é de gato. 
  
 *** 
Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento soprou." 
Imagem: folhavitoria.com.br 
 

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