Baile de Negros
Baile de Negros
Desde pequeno, eu, meus irmãos e primos, ouvíamos os causos de nossos tios, Aureolino e da nossa tia Almerinda. Vou contar um causo que o tio Aureolino contava quando estava disposto. Fumando seu cigarro de palha, sentado à beira de um fogão a lenha, ele ficava horas contando as mais engraçadas façanhas de sua juventude e nós, meninos ainda, extasiados ficávamos sentados à sua volta ouvindo.
Quando meus tios e minha mãe eram jovens, a segregação racial, principalmente no sul do Brasil, mais especificamente no Rio Grande do Sul, era muito evidente. Hoje existe uma legislação, desnecessária, na minha forma de pensar, e que serve simplesmente para acirrar e fomentar a discórdia entre as pessoas, mas, que existe e que deve ser cumprida e estou ciente disso, o que não impede de contar histórias. Essa história não tem nada de pejorativa, nem tão pouco tem a intenção de menosprezar a raça negra ou qualquer coisa do gênero. Naquela época em que isso acontecia era impensável um branco entrar num salão de baile de negros. Da mesma forma, um negro que se atrevesse a entrar num salão de baile de brancos era humilhado e escorraçado sem mais delongas.
Entre uma tragada e outra, tio Aureolino fazia gestos, apontava para um lado demoradamente, ria, soltava a fumaça do seu palheiro, talvez pensando e imaginando o ocorrido, ou até buscando a melhor cena para contar, deixando a gente ansioso para saber o desfecho da sua prosa. Mas, era nesses gestos que estava a graça da história. O baile de negros desse causo, segundo meu tio, aconteceu numa pequena casa onde morava uma família de pretos, em Santa Maria, ali todos os finais de semana se reuniam as pessoas da raça negra para dançar e se divertir, assim como os brancos tinham as suas associações e clubes onde só eram admitidos ingressos de gente branca.
Chegaram cedo dispostos a entrar no baile só para ver o que acontecia. Não tinham medo de nada, qualquer tumulto ou entrevero para ele e sua turma de amigos, era diversão.
- Boa noite! Quanto é a entrada? – perguntou um dos componentes do grupo.
- Cinco réis. Mas aqui não entra branco. Podem dar o fora! – respondeu um negrão do tamanho de um armário.
- Por que não entra branco? Vamos pagar o ingresso, - retrucou
- É, mas aqui não entra branco é norma da casa! – respondeu o porteiro resoluto em não permitir o ingresso.
Indignados com a recusa do porteiro começaram a arquitetar alguma coisa para acabar com o baile. Não havia muitas casas nas redondezas da residência, naquela época as casas eram afastadas umas das outras, a população, principalmente em Santa Maria, era muito pequena. Saíram e se esconderam no mato, onde juntos decidiram o que iam fazer. Surgiram várias ideias, entre elas a de amarrar um arame na cobertura da casa e puxar com uma dessas maquinas de esticar e, devagar, puxar até a cobertura de capim da casa começar a cair.
Assim foi feito, moravam perto e logo apareceu a tal máquina de esticar arames. Um dos traquinas, o mais leve de todos, subiu na cobertura da casa e pacientemente amarrou o fio de arame liso no topo da casa. O gaiteiro tocava a sua sanfona alto, de modo que os participantes do fandango não podiam perceber a movimentação do grupo. Terminada a tarefa o menino desceu e a seguir adaptaram a máquina amarrada em uma árvore próxima começando em seguida a esticar o arame aos poucos. Não demorou muito começou a cair o teto da casa, por cima dos participantes. Caia um punhado de capim, logo em seguida uma ripa de madeira. Uma loucura.
O tumulto foi generalizado, a negrada saiu do salão que nem marimbondo, se pegassem um branco, esse estaria frito. Armas brancas, facas, adagas, pedaços de pau e tudo que servisse para ferir alguém estavam nas mãos dos pretos. Palavrões impublicáveis eram os mais leves proferidos. Tal e qual um vespeiro, foram se acalmando e o baile voltou ao normal. Naquela noite memorável de divertimento e emoções para o nosso tio Aureolino e seus comparsas, o alvoroço dos negros rendeu o máximo de prazer.