Antigamente era apenas bodega
Olha o peixe, fresco! Tou vendendo peixe frasquinho, fresquinho, pescado inda agora na barragem do Rio Mossoró. Tenho cambão, traíra, piranha, pilato e piaba tratada, escamada e escalada, prontinha pra ser devorada. Cheguei lá, joguei meu anzol, o peixe engoliu, eu puxei. Coloquei uma isca maior, o peixe mordeu, eu puxei... Calma, calma porque "meu peixe" é você, sabe o porquê, porque só você é quem morde meu anzol... Mas vamos lá, quem vai querer, quem vai querer fazer um pirão de peixe hoje? Você com a boca escancarada, me responda de uma vez: Se comprar um peixão, comer todinho, o que vai fazer com o rabo? Rebolar no mato, dá pro vizinho ou mandar a mulher preparar uma rabada, de peixe? Não precisa responder, pelo seu olhar eu já sei a resposta, mas já está ameidiinha, saí de casa com um ovo só e preciso ganhar o tostão do querosene!
Eu vou contar, eu vou contar
Só não conto o meu conto
Se você de onde estar
Me pedir com muito espanto
Para eu não mais contar (bis)
Antigamente! Antigamente não existia supermercado, existia bodega, nela se achava prego, martelo e brocha. Pá, enxada, ciscador, aguador, serrote, pois não? Cocorote, broa, bolacha preta tareco, bolacha: seca, doce, palito, setecapas... Pão: pão doce, pão d'água, carteira e bolo: bolo fofo, bolo de leite, bolo Felipe pra tomar com k-suco. K-suco de laranja, de uva, de morango e quando tava de febre, tinha K-suco de guaraná com as novidades: bolacha creamcraker. Não existia supermercado, fique calado que existia bodega e nela podia se comprar um quilo de feijão, mei quilo e meia libra de arroz, um caneco de farinha d'água, uma bucha de Bombril, mei pacote de macarrão, uma caixa de fosco, assim como tinha muita prosa! Os cabras chegavam cedo e já pediam uma pinga, uma meiota e algumas rodelas de limão, de laranja, uma cajarana ou um pedaço de toicim. Na bodega tinha toicim, tripa, mocotó, buchada, panelada, mão de vaca, rabada, carne seca, de criação e muita diversão. As mulheres saíam de casa soltando fogo pela venta, chegavam e compravam uma tomate, um mói de coentro, uma batatinha, um tiquim de pimenta, alguns dentes de alho e um pimentao. As mais afoitas partiam para cima dos machos, pegavam pelas orelhas e gritavam "Marche pra casa, seu malagueta, filho de uma égua! Daqui a pouco escurece e você ainda não foi por mato pegar a lenha... Venha, vamos, de manhã precisa fazer o fogo pra moer o milho e fazer o pão de milho, tirar o leite das vacas e fazer as qualhadas. Tu não vieste comprar só o pavio da lamparina".
E o bodegueiro logo gritava que "aqui tem pavio curto e longo, lamparina, querosene, vela branca, de toda cor e de sétimo dia. Tem lampião e pra mulher Formosa também tem: corte de Fazenda, volta ao mundo, passeanamaria, ciaminha, agulha, linha, colchete, um dedal de água de cheiro e bala de hortelã". Não existia super mercado, existia bodega, na calçada ficava os garrajais, as gaiolas, arapucas, assaprão, as facas, os fações e a pólvora, só pra dizer que nem tudo na vida é perfeição.
Mas bom mesmo era no tempo do São João, na bodega vendia traque, borboleta, buscapé, cobrinha e peido alemão! Vixe, fedeu, num foi não, só não vendia as bandeirinhas porque as famílias gostavam de aproveitar os cadernos, os livros e as revistas da Avon para fazer as bandeirinhas e enfeitar os terreiros, mas os barbantes e a goma do grude eram comprados na bodega. Nela também tinha as imagens de Santo: Santo expedito das causas impossíveis, Santo António casamenteiro, são José operário, Maria Madalena, Benedito, nossa senhora da guia e Santa Luzia para alumiar os caminhos. Não existia supermercado, existia bodega e nela ainda existia os novenários, os cancioneiro e os cordéis, também tinha as casas se aranhas descendo do telhado, se enroscando nos pânico, vixe, quase que não digo que antigamentenas casas não tinham banheiros encanados e na hora do aperreio, quem não queria ir pro meio do mato, descarregada no capitão! Eita, tempo bom! Vai bem me dizer que você com essa cara engilhada não sabe de nada disso? Mas menina, depois dessa eu me despeço que já está quase na boca da noite e ainda não vendi uma piaba! Quem quiser contribuir aqui com o contador, não precisa se acanhar, é só se aproximar que é igual as bodegas, não tem agora? Faço fiado, deixo o vale pendurado aqui na caderneta.
Senhoras e senhores, muito obrigado!
Se gostou bem, se não gostou pague também que falei foi um bocado.
Marcus Vinicius - contador de histórias