A VACA LEITEIRA

A VACA LEITEIRA

"Seu" João Quebra Queixo acordou cedo. Estava cabisbaixo,

sorumbático, fugindo do seu estado de espírito do dia-a-dia. Sentado sobre um rolo de carnaubeira que fazia as vezes de banco tinha a mão direita apoiada debaixo do queixo. Tinha tanta tristeza no olhar que seus ouvidos estavam surdos para o cantar dos passarinhos aos quais ele tanto amava. Não ouvia o cantar mavioso da graúna nem dos pintassilgos. Nem dos sabiás, nem dos rouxinóis. Já chegara o mês de março e ainda não caíra uma gota sequer de chuva. Terra ressecada, mata estalando sob os raios inclementes do sol. Gado morrendo com mugidos dolentes que faziam amolecer o coração do mais duro dos homens. Reses esquálidas com todas as costelas aparecendo. andar bamboleante a dançarem sob a batuta da música macabra da morte. Pobres animais. restava apenas esperar pelo dia 19 de março dia do santo padroeiro São José. Se não chovesse até ali só restavam a sede, a fome e a morte. Por isso e mais outros issos foi que Euclides da Cunha disse que o sertanejo nordestino é antes de tudo um forte.

O pensamento estava mexendo tanto com seus miolos que lembrou-se de um ano em que fora apanhar 100 vacas leiteiras para o major Francisco Tavares de Rocha lá pras quebradas do Piauí e levá-las até Canindé. Ano de inverno bom, muita chuva, muitos trovões e raios. Eram tantos trovões que a boiada quisera estourar com os estrondos que se ouvia com 10 léguas de distância. Somente a perícia da vaqueirama evitou o estouro da boiada. Tanta chuva, tanta água que muitas reses atolaram até acima do joelho o que provocou um trabalho medonho para desatola-las e salvá-las. A chuva era tão grande que a água entrou NO COURO DE UMA VACA DA PELE MAIS FINA. Algumas que estavam prenhes tiveram tanto medo do barulho dos trovões que pariram no meio da estrada, sendo necessário parar por alguns dias. Mas o certo é que seu João chegou com 120 reses ao destino: 100 vacas mais 20 bezerros nascidos do medo.

Passaram-se os dias e começaram a tirar o leite das vacas. Naquela época ainda não existiam as máquinas de ordenha. O leite tinha que ser tirado à mão, uma a uma e quem fazia o serviço? Ora, seu João Quebra Queijo, dizia ele. Numa das tiradas ele notou que uma das vacas estava com o úbere quase arrastando pelo chão. Começou a tirar o leite dela e quanto mais tirava mais o úbere ficava cheio. Resolveu tirar com as duas mãos. Enchia balde e mais balde e resolveu parar. JÁ TINHA TIRADO 100 LITROS DE LEITE DA VACA E AINDA DEIXOU LEITE PARA O BEZERRO MAMAR, CERCA DE 10 LITROS.

Nessas alturas como sempre ocorria a praça do mercado , onde seu João contava sempre as suas histórias, estava repleta de gente. Dentre eles estava Zé Capote, caboclo enxerido, fiote arribou o chapéu de couro que estava usando e falou:

-Seu João, que as vacas tenham atolado, que sentiram medo dos trovões e etc e tal eu até admito, mas uma vaca que dá 100 litros de leite de uma só tirada e ainda sobrar leite para o bezerro parece uma coisa cabeluda. Sei não.

Seu João arregalou os olhos, deu dois urros de onça ferida,um pulo fenomenal em direção ao Zé Capote e já com a faca peixeira na mão que comprara em Cocal no Piauí, esbravejou:

- Zé Capote cabra filho de puta eu não aguento mais você se meter nas minhas conversas. Eu nunca menti filho de uma égua. Vou te capar e nunca mais vai ser macho. Capo e boto cinza em cima do corte.

Os amigos se meteram, Zé Capote correu como uma bala e mais uma vez foi salvo pelo gongo. mas estava mais amarelo do que cego com anemia.

ANTONIO Tavares de Lima

Antonio Tavares de Lima
Enviado por Antonio Tavares de Lima em 01/05/2018
Reeditado em 11/05/2018
Código do texto: T6324503
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