Sonolento o sol inclinou a cabeça sobre o travesseiro das montanhas e a lua derramou luz prateada no terreiro. Logo, os vaqueiros chegaram para ouvir Generoso tocar viola. Euzébia serviu chá com biscoito, e quando o relógio de parede derramou nove estrelas no compasso da noite as visitas bateram em retirada. Os solteiros armaram suas redes nos esteios da oficina de farinha e acariciados pela brisa fresca da noite, dormiram numa casa sem paredes.
Mal rompeu a aurora, a vaqueirama se apresentou fogosa, na sede da fazenda. Despreocupados, os meninos ainda dormiam o sono que vem depois da primeira urinada na rede.
Vaqueiro Onofre esfrega os olhos e escolhe um cavalo desbotado que cochila à beirada da cerca. João Velho matutou: ‘O meninote conhece! Esse cavalinho é o melhor da fazenda pra golpear boi arisco. Tem menos arranco que um grande, mas logo toma a dianteira. ’ Vaqueiros e fazendeiro seguiram a batida. O boi fugidio afasta a betônica com o peito, e a tritura nos cascos, abrindo passagem estreita.
No batedor, só se vê o lombo do boi, que mais parece uma bruaca galopante. Generoso passa a mão no rabo da rês e puxa de lado. O arreio arrebenta, e a sela escorre pros vazios do cavalo. Com duas upas, o animal jogou o dono no chão. Onofre apertou a montaria nas esporas, levou a mão no sedenho do boi e puxou pra esquerda. Foi um tombo só.
— Sangra o bicho, gritou o patrão.
— Mato Não! Agora sou o ‘padim’ deste boi.
E passou o laço no pescoço de Chuvisco, que o seguia como um cordeiro.
— O patrão se machucou? — quis saber o vaqueiro novo.
— Nada grave. Mas não quero que Corina saiba da queda. Coisa de homem. Quando o marido cai do cavalo, a mulher não pode ver, nem saber que ele caiu.
Outros vaqueiros aproximaram-se mordendo os freios.
Pisoteado pelos cavalos, o chapéu de Generoso, mais parecia uma bosta de gado esparramada no chão. O fazendeiro desamassou o chapéu e amarrou o barbicacho. Apertou a cilha, conferiu as rédeas, firmou no estribo e montou novamente. Teve vontade de ferir a barriga do cavalo Presidente com as rosetas da espora, mas não o fez. Olhou para Onofre que estava desmontado, segurando boi Chuvisco pelo cabresto.
— Daqui a dois dias temos um encontro marcado com uma pintada. Guarde suas forças, porque coragem sei que tem de sobra!
Turíbio Medonho aproxima-se fumando um cigarro de palha.
— Quem derrubou o boi?
— O vaqueiro novato.
—Aquele paspalho, frangalho de gente mal empanada? Tem jeito de frangote que ainda mija nas calças.
— Brinca não! O cabra é macho. Derrubou o boi na primeira apanhada. Agachado, grudado na sela feito chien em cabelo nêgo.
***
Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento soprou."