Logo que  o sol pôs o olho de fora, Nhá Santa deu pela falta do  menino. Onofre já era rapaz, mas para a mãe, continuava sendo ‘meu menino.’ Nhá deixou o dia acabar de amanhecer. Tomou caminho. Seguiu pegadas de um par de alpargatas rotas, que passaram por ali, no  cantar do galo. Ela não  podia fazer muita  coisa àquela hora, porque o dono do rastro deveria estar longe! Filho ingrato!   Órfão de pai matado na festa da padroeira, e de mãe morrida no parto, o menino escapou. Não atendeu ao chamado, quando a  morte bateu em sua porta, nos  primeiros dias de vida; graças a uma cabra parida que  o socorreu com leite. O  menino órfão vingou.

Para que tanta lida com tão pouca vida, pensou Nhá Santa: Tudo em vão. Tempo perdido. Agora, viúva e sem filho, não fazia mais sentido ser agregada do coronel Dolmênico. Morava de favor numa casa de taipa na fazenda do coronel. Tentou vender ao patrão meia dúzia de galinhas e uma porca sem crias, mas, de nada valeu seu argumento:

— Os bichinhos já estão acostumados aqui, coronel...
— Não compro por preço algum!
Vendeu no Pau d’Óleo, tudo que tinha por alguns vinténs de cobre e seguiu a estrada carroçável, sem saber para aonde ir. Talvez n’alguma fazenda, encontrasse pistas do filho.
— Bom-dia doutor!
— Bom-dia. A que devo a honra de receber uma visita nas primeiras horas da manhã?
— Sou Onofre do Borá.
—  O Borá não é tão longe. Conheces o coronel  Dolmênico?
— Trabalhei para o coronel  Dólmen até ontem.
— Qual foi a desavença?
— Com ele, nenhuma! Mas desentendi com minha mãe de criação.
— Deve procurar um padre. Aqui não tem confessionário.
— Não é coisa de rir, doutor.  Viajei pedaço de noite, pra chegar até aqui.  Não tenho pai, nem mãe.  Aprendi a arte de vaqueiro com um tio na fazenda do Coronel. Já me acho na idade de tomar rumo na vida. Tenho dezessete anos!
— Desentendeu também com seu tio?
— Meu tio morreu. Era marido de Nhá Santa. Nhá acabou de me criar. Mas ontem, levei sete lapadas de relho ensebado. E fugi de casa. Aguento isso mais não, seu Generoso. Já sou homem pra enfrentar a vida. Qualquer serviço me serve.

Consternado, o fazendeiro virou o rosto para não chorar. ‘Sete lapadas de relho ensebado’ apresentadas como argumento, numa entrevista de emprego!... Nunca zombava da desgraça alheia, mas naquela hora, podia ser que não conseguisse se controlar, pois, no ano de 1932, ele mesmo tinha levado sete chibatadas com vergalho de touro. Coronel Generoso entristeceu. O pomo de adão subiu e desceu. E por  três vezes sucessivas, travou o soluço. Com meio sorriso. Sufocou uma lágrima e se recompôs.

— Amanhã, você escolhe um cavalo e os arreios. Temos uma rês  debandada. Agora, vá descansar com os outros vaqueiros. Tomar intimidade com a fazenda. O almoço é às dez da manhã.
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Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento soprou."