FIO INVISÍVEL

Desde os primórdios quando a totalidade dos seres humanos era nômade, coletor e caçador eventual, bem antes de adquirir os hábitos sedentários que são inerentes às atividades agrícolas e pastoris, de ter dominado cavernas e planícies há a preocupação em saber e ter domínio sobre o devir, esse fantástico mundo onde o sonho se transforma em realidade.

Como se ligados por fio invisível, pessoas, fatos, acontecimentos e consequências estão de tal forma dispostos que alimentam a ideia de destino.

Os gregos, que são para nós ocidentais fonte inesgotável de sabedoria e tradições deram-lhe o nome de Moros ou Aeon e o representavam com corpo humano, de pé sobre o globo terrestre com o cetro do poder enfeitado com estrela, cego, com uma roda acorrentada a uma rocha, ladeada por duas cornucópias.

Nessa representação fica claro que o destino tem poder ilimitado sobre deuses e humanos; a cegueira é a inevitabilidade; que na roda do tempo sempre haverá altos e baixos; acorrentada à rocha significa que não se pode alterar o destino e as cornucópias tanto podem representar fartura como miséria.

As Moiras, filhas do deus, tecem os fios que atam os seres humanos aos seus destinos, desde o nascimento até a morte, descritos num livro que por ser obscuro só pode ser interpretado por um oráculo.

O deus Moros pegou três flechas do deus Eros e passou para elas partes de seu poder.

Uma delas estaria escondida no templo de Eros, a segunda no templo perdido de Moros e a terceira em alguma árvore do mundo dos humanos.

Caso elas sejam disparadas ao mesmo tempo, voltaremos ao caos e toda história se repetirá, mas se qualquer uma delas for disparada isoladamente poderá fazer com que uma pessoa tenha conhecimento sobre os fatos e, como a linha do tempo pode ser acessada em qualquer momento, nascem as predições.

Voltamos então à filosofia do Devir.

Conta-se que numa manhã de sol forte, a dona da casa estava regando as plantas do jardim quando apareceram ciganas com suas roupas coloridas, batendo de porta em porta a fim de ler a sorte das pessoas.

Nessa família de marido, mulher e duas filhas já adultas tudo indicava que jamais haveria sobressaltos.

O casal envelheceria na companhia das filhas, genros e netos como era corriqueiro para a época.

Somente ela estava em casa entregue aos afazeres enquanto o marido, bancário, uma das filhas advogada e outra comerciária já tinham seguido para os respectivos trabalhos.

Só retornariam no final do dia.

Com a mão estendida para a cigana, dona Isaura ouviu que em seu destino, bem próximo, estava escrito:

somente tua filha mais velha estará contigo.

A cigana recebeu o trocado e a predição descabida negligenciada.

Ao sair do foro, a filha mais nova torceu o pé e foi amparada por um oficial da marinha que gentilmente lhe fez companhia até a sua casa. Nada mais justo que fosse convidado para o jantar com a família que só estavam aguardando a chegada do senhor Marcos que, diariamente, tomava duas cervejas com os amigos do bar instalado na esquina da rua.

Desse encontro fortuito nasceu o amor que rapidamente se transformou em casamento.

Pelo respeito filial e por conta das considerações acertadas do pai, Marisa sempre discutia com ele sobre os artigos de lei que deveria ou não utilizar nas petições que os processos requeriam e essas conversas ocupavam a maior parte do tempo depois do jantar e antes de dormir, mas com o casamento, isso mudou e o senhor Marcos resolveu prolongar a sua permanência no bar dispensando o jantar em família.

A marinha transferiu o oficial para outro Estado de federação e Marisa deixou o escritório de advocacia para acompanhar o marido que com pouquíssimo tempo de casado se revelara portador de ciúme doentio com agressões verbais, privações e cárcere privado, que culminaram com o assassinato por estrangulamento depois de calorosa discussão.

O senhor Marcos desesperado pelo falecimento da filha querida e impunidade do assassino, entregou-se totalmente ao vício da embriaguez até falecer por coma etílica irreversível.

A predição da cigana, que havia sido colocada na prateleira do esquecimento seis meses atrás, estava realizada.