O SOBRADO

      Seu Anselmo era funcionário público já perto da aposentadoria. Trabalhava há quase trinta anos nos Correios. Bom funcionário e muito controlado, isso lhe proporcionou ascensão até cargos de Diretoria. Fez um bom pé de meia durante a vida incluindo a compra e construção de vários imóveis, o que lhe gerava uma importante renda extra com aluguéis. Tendo terminado recentemente a construção de um sobrado, iria colocá-lo no mercado para alugar. Resolveu tentar a sorte com seu vizinho que montara uma pequena imobiliária próximo a sua casa e com frequência pedia uma chance de trabalhar com ele. O mercado de aluguéis estava muito fraco e era natural que demorasse um certo tempo para aparecer um potencial inquilino. Mas a demora começou a ficar excessiva. Ninguém se interessava, nem fazia uma proposta menor. Era um silêncio total. Já há três meses sem interessados, resolveu procurar o vizinho e perguntar a respeito. Sendo um assunto comercial, dirigiu-se ao escritório do corretor pois seria ali o local mais adequado.
           Chegou a pequena imobiliária pouco antes das dez. Disse a secretária que precisava falar com o Sr. Freitas a respeito de um imóvel. A moça sorriu e pediu-lhe que esperasse alguns minutos pois o patrão estava ao telefone com um cliente. Seu Anselmo sentou-se em uma das duas cadeiras disponíveis, e como não tivesse um jornal ou revista para distraí-lo passou a prestar atenção a conversa do Freitas ao telefone. Não demorou para perceber que o assunto em questão era justamente o seu sobrado na Vila Industrial, perto do Bairro Feliz. Dizia o corretor ao cliente: “É um sobrado grande, com três suítes na parte superior e uma na parte inferior o que facilita caso tenha um idoso que não possa subir escadas. Sala ampla, cozinha maravilhosa, garagem para dois carros ou até três se forem pequenos blá blá blá... preço ótimo e posso mostrá-lo quando o senhor quiser” Seu Anselmo ouvindo tudo começou a ficar animado. O candidato a inquilino deve ter perguntado como chegar ao imóvel pela explicação que se seguiu: “O senhor venha pela Avenida Independência, e quando cruzar a quinta Avenida, siga em frente até o segundo sinaleiro. Vire à esquerda, tem uma descida grande que termina numa curva fechada, mais conhecida como “curva da morte”. Depois da curva vem uma pequena subida até o leito da antiga estrada de ferro, onde se localiza hoje a favela do Aranha. Não pare para pedir informações naqueles botecos com homens jogando sinuca, é um perigo, tudo vagabundo, ladrão, a polícia prende, mas logo estão lá de novo. Na terceira esquina vire novamente a esquerda e siga em frente, a rua termina num predinho de dois andares onde funciona o movimento Fio de esperança, uma instituição que atende viciados em drogas. Vire a direita e o senhor vai encontrar o sobrado. Tem nossa placa lá, morar bem imóveis. Quando o senhor gostaria de olhar... Alô...Alô...Alô...” Pressentindo que havia alguém na porta entreaberta olhou e dando de cara com seu Anselmo disse: “Anselmo, você não morre tão cedo, estava ao telefone com um interessado no seu sobrado, mas a ligação caiu, uma pena”. Seu Anselmo dando um passo para dentro da sala respondeu: “Não morro e nem alugo meu sobrado tão cedo com uma explicação dessa. Vou já procurar outra imobiliária”. E saiu batendo a porta com força. Aí eu pergunto: O leitor alugaria?
Al Primo
Enviado por Al Primo em 26/03/2018
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