A P a d i o l a :

Os quatro senhores andavam no mesmo rítmo, bem cadenciados, como se praticassem uma dança clássica. Isso os ajudava a manter a velocidade e o equilíbrio, pois em suas costas levavam uma padiola com o féretro amigo, do infeliz, ultimo fulminado na grota do Gogó do Lobo. Esse local distava três léguas da cidade.

Ninguém chorava. Mas o respeito era notável entre todos os carregadores. Na verdade só sete amigos aceitaram a incumbência de transportar a fatídica carga-morta-humana.

O defunto era de meia idade, magro e não pesava muito, para sorte dos carregadores. Os três elementos restantes daquele cortejo, se revezavam com os outros e um deles levava o produto sagrado para eles; um litrão. Claro que o litro estava cheio, ou melhor, esteve cheio ao sair da Grota, mas com o desempenho da viagem, estava abaixo do meio o nível do líquido.

A cada intervalo que faziam para troca de carregadores cada um bebia um gole, para se animar e não sentir a friagem da chuva. Era outono, um pouco frio. A cidade ficava longe.

Todos eles sabiam que a cachaça poderia ser a causadora da morte de muitos, mas parecia impossível para eles ficar sem provar, ou até mesmo sem encher a cara. Alguns já estavam condenados, de pés inchados, mas ainda assim não deixavam da birita. O vício já havia se transformado, neles, em "a doença nossa de cada dia".

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Eles haviam caminhado muito e ao pé da montanha, tiveram que parar, devido a enchente regional. O córrego estava transbordando e ali não tinha ponte. Eles também não podiam utilizar a pinguela, pois as correntezas haviam levado tudo.

Arriaram a padiola com o morto, colocaram em um barranco baixo, à beira da estrada, para decidirem sobre que atitude tomar. O ribeiro estava transbordando e precisavam escolher onde atravessar sem perigo de serem arrastados pelas águas pesadas e caldalosa.

Beberam uma golada boa e iniciou-se uma calorosa discussão para se decidirem por onde atravessar. A chuva continuava e o defunto estava um pouco mais frio, na observação de um dos compadres. Ainda bem que os vivos podiam aquecer as entranhas com aquela caninha.

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_Na minha opinião, cumpade, nóis devia de descer o córgo e travessar lá imbaxo. Isso disse o mais velho entre eles.

_Sei não, sô! retrucou o magrela. _Lá a corrente num é mais forte?. _Apois?

Foi então que o Manoelzinho caiu de joelho gritando que viu o defunto piscar. É claro que ninguém deu valor às palavras desse pobre membro da comitiva tocado de emoção. Riram do coitado e alguém ainda fez piadinhas.

_Melhor, companheiros, é nós beber um gole e rezá pra alma do difunto pra mode de ele dá o seu palpite, uai! Disse mui respeitoso, de chapéu nas mãos, o jovem que era o alferes do litro.

Unidos nessa sábia proposta, todos tomaram um longo trago, no gargalo do litro mesmo. Ninguém fez careta, talvez por ser de boa qualidade aquela marafa, ou então, todos deviam estar "a caminho de Bagdá", como diziam os críticos da época.

Alguns minutos mais de confabulações entre eles e vários goles depois, se prepararam para colocar a padiola nas costas com a intenção de rematar o ofício que lhes fora entregue.

Já na ultima dose que o litro lhes permitiu, alguém resolveu elevar uma pequena prece em favor do morto. Daí, uns rezaram, outros resmungaram e resolveram partir para a ultima etapa daquela tarefa.

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Colocaram a padiola nas costas, um tanto meio cambalentes e se prepararam para pisar a margem do riacho. Foi aí que ouviram a frase decisiva.:

_Quando eu era vivo passava lá em riba cambada!

Como reação dessa fala o sangue gelou nas veias dos carregadores. Porque aquela frase foi dita pelo ocupante da padiola. O morto. O defunto.

Em menos de cinco segundos a padiola foi deixada alí mesmo, no meio da estrada, jogada por todos os quatro carregadores num só tempo e todos os sete camaradas, em fração de segundos, se encontravam longe do local.

Conta-se que dois deles, não se sabe como, estavam do outro lado da enchente. Incrível foi que nenhum deles se molhou e como isso se deu virou um mistério que até hoje ninguém soube explicar...

*** F * I * M ***

( Pardon )

( Pardon )
Enviado por ( Pardon ) em 10/02/2018
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