O SOMHO DE UM CORONEL MACHISTA 38º EPISODIO

A passagem do coronel Certorio dessa para outra vida. Deu um novo alento aos corações de seus escravos. Uma explosão de alegria inundou o meio ambiente naquele cenário de medo e sofrimento que por anos a fio, os atormentavam. Foi como se uma nova aurora surgisse no céu da fazenda Morrinhos mudando completamente aquela característica insalubre que antes poluía sua paisagem. As danças africanas proibidas pelo falecido coronel voltaram a fazer parte do dia a dia daquela gente tão judiada. Inácia muito religiosa não cansava de louvar e agradecer a Deus a benesse, segundo ela concedida por ele. Estar livre para vivenciar com sua irmã Inha Chica as delicia harmoniosas de seus laços familiares valia tanto quanto uma alforria. Mãe de leite de Nico ela o cercava de ternura e carinho com o uma verdadeira mãe. E ele a retribuía da mesma forma.
Venâncio  ex-pistoleiro estava noivo de Vicencia, mas um dilema o atormentava convertido de um fora da lei a um homem de bem, querendo passar uma borracha no seu passado, e redimir de todas as maldades que praticou. Seu lema agora seria praticar o bem, espelhando no ambiente de paz e harmonia que reinava na fazenda Bocaina onde foi acolhido no trabalho. Casaria em breve, mas não queria deixar o velho Miro na mesma situação de quando lá chegou solitário. Proseando com Inácia na cozinha da casa grande e avó de sua nova, confidenciou a ela a respeito desta sua preocupação.
Ela o respondeu da seguinte forma; indo à janela que dava para o terreiro gritou pelo o nome de alguem que trabalhava nos fundos cuidando do arroz pilado pelo monjolo:
--Oh Benedita venha cá pru favor! Benedita deixou o trabalho e em poucos segundos entrou na cozinha.
--O qui voismicê deseja Inaça?
-- Voismicê cunhece o Miro-, sei qui cunhece!
--Sim in tempo de moça já tivemo inté um namurico.
-- Pois é agora qui tá viúva e cumo ele nunca casô voismicê topa casá cum ele?
--Se ele quizé ieu topo, ma ele sabe disso?
- Num sabe nun ma vai sabê-, Venâncio, agora é cum voismicê!
--Dexe cumigo Inaça hoje memo ieu vô cunvencê ele nesse casório.
Venâncio mudou da água para o vinho sua vida de pistoleiro ficou mo passado. Casaria em breve e assumiria de vez seu trabalho como bom taxeiro que era, mudaria para a fazenda de Nicó onde sua noiva era escrava, mas não queria deixar o velho cair de novo no estado de solidão. Alforriado pelo coronel Tiburcio o ex escavo que pertenceu ao seu pai continuava trabalhando, era o responsável pelo empalhamento de toda a safra de rapaduras produzidas na fazenda Bocaina, trabalhava com gosto, sendo bem remunerado pelo coronel.
À noite em conversa, Venâncio perguntou a ele:
--Oh sinhô Miro já contaro pru sinhô qui  ieu tô  casno e  vô mora lá in Morrinhos?
-- Já contaro sim, nun fala notra coisa na senzala tão tudo se aprontano pra festa do seu casório.
--- O sinhô conhece a preta Dita iscava lá in Morrinho?
-- KKKKK. Ma voismicê vai casá é cum Binidita-, achei qui era cum a mucama coxuda qui pidiu lá in casamento, no dia da missa de sete dias da morte de coroné Certorio.
--Ma ieu é, cum aquela memo, sinhô Miro, a preta Dita ieu tô quereno pra casá é cum sinhô!
--Ma voismicê tá mangano de mim, qui prosa é essa agora?
-- Sinhô Miro ieu tô ino lá pra Morrinho quando ieu casá coroné Tiburcio mim liberô mode i trabaiá pra Nicó, ieu num posso e nun quero dexá o sinhô suzinho, intonse o sinhô mais Binidita casano vai sê bão proceis dois mode sê cumpania um do ôto e o sinhô nun ficá ai cum aquela mardita sulidão de novo.
-- Ieu mais Binidita num tempo mais de trais aí quando a gente era novo já inté incrinô dano uhas zoiada pru lado um pru ôto, ma agora cagente ta veio isso pode nun dá certo as dispois ieu num quero mudá daqui desse cantinho no mei desse coqueral isso aqui é minha vida. Ela seno iscrava de Nicó tem de morá é lá.
-- Nicó sinhô Miro, é generoso iguá coronè Tiburcio ieu tem in mim quele dá a arforría pra Binidita sô mode vê a filicidade de voismiceis dois. Ieu num quis pidi pra ele a de Vicencia pruque ela é nova e tem de ajudá Inaça, e tumem nem tanto abusá da bondade do zôto.
--Oia ieu tô muito veio mode casá, nun maginava de mexê quisso não, ma sabe qui essa prosa mim incindiô, ieu tem medo é dela quando sabê dessa prosa tumá giriza e ficá inté de mar cumigo, ieu num tem corage de tocá nessa prosa cuela não.
--Nun pricisa sinhô Miro Inaça mais ieu já prusiemo cuela ela achô foi bão, inté contô qui voismiceis tivero um namurico. Ieu vô pidi pra Nicó prele da liberdade pra ela mode ficá tudo arrisurvido.
E realmente o oheroi da Bocaina como ficou conhecido, consegiu com que Nicó não só desse a alforria para a Benedita como também ele mandou preparar uma grande festa para comemorar os casamentos de Venâncio com a Vicencia, e do Miro com Benedita, e ainda no mesmo evento seu noivado com Dusanjo com a entrega da aliança à filha do coronel Tiburcio o amor e sua vida.
--Então quer dizer qui sinhô vai casá cum Benedita?
--Pois é Nicó dois veio qui tão percisano é de rezá inventano fazê coisa de gente nova!
--Que isso sinhô Miro voismiceis inda tem muita vida pra frente vai sê muito filiz, pro amor não tem idade!
- Venâncio pidiu pra eu dá arforria pra Benedita faço isso cum muito prazê, se voismiceis num se importá ieu vô apruveitá a upurtunidade pra ficá noivo nesse dia na mesma festa!
--Ma o que isso sinhozinho voismicê um fio de coronè fica noivo no dia do casório de dois iscravo e de um impregado cum uma iscrava, o isqueleto de vosso pai vai ficá rivirano lá sipurtura dibaxo da terra, voismicê tem cunvidá os povo da arta crasse sociá!
--Nada disso dispois do qui Venâncio feis pela gente ieu qui já gostava dos mais humirdes quero tá sempre junto deles.
Padre Gregório se disponibilizou a celebrar, os enlaces matrimoniais na fazenda Morrinhos. Para que todos os escravos assistissem a cerimônia. Sua atitude foi mais um de seus empurrõezinhos de forma discreta, contribuindo para acabar de vez com briga histórica entre os Vilela e Montenegro. Uma vez que todos os moradores da fazenda Bocaina marcaram presença na festa do ex-pistoleiro.
Com o pensamento sempre voltado ao bem comum, padre Gregório estava de forma inteligente procurando promover a inclusão entre seus paroquianos. Um trabalho de cunho social muito importante, antes obstruído pelo radicalismo do falecido coronel Certorio.
Foi uma bela celebração selando a paz e harmonia dos dois mais importantes clãs do municipio de Bom Jardim. Nicó num gesto de humildade e gratidão pediu para Inácia e sua irmã Inhá Chica duas escravas colocar as alianças de noivos no seu dedo e de sua noiva Dusanjo. Levando ás lagrimas todos que assistiram a sena. Encerrando ele pediu atenção de todos convidando-os para a festa de seu casamento, cuja data Dusanjo pediu a ele mais dois anos de prazo. Toda bela e graciosa. Ele embora achando o tempo logo demais, não teve como negar. Ela o respondeu de forma simples e inteligente, dizendo que eles casariam quando ela completasse seus dezoito anos, estaria mais madura. Seria no dia em que Nicó completaria seus trinta e seis anos. E só faltavam dois anos para isso acontecer concluiu. A festa varou a noite um acontecimento inédito contraria aos conceitos dos senhores de escravos que os menosprezavam de forma desumana. Enquanto os escravos dançavam na maior felicidade tocando tambor atabaque e seus demais instrumentos. A natureza contribuía com um luar exuberante bailado nas alturas de um céu muito azul e estralado manchado de nuvens brancas como plumas de algodão, vagando ao leu. Retardatários os curiangos cantavam pelas encostas repetidamente:
--Amanhã eu vô; amanhã eu vô, amanhã eu vô!
Um escavo embriagado deitado sobre uma esteira resmungava:
--Vai nada manhã a festa jacabô, jacabô, jacabô, seu passarinho imbecir se que vim vem se quizé memo tem de sê agora manhã jaca cabô seu besta!

Enquanto em Morrinhos a festa correu solta em bom jardim seu Nicolau preparava para mais alguns espetáculos, suspensos com a morte do coronel Certorio.
Coronel Tiburcio cedeu o boi pretête com a condição que um dos espetáculos seria apresentado exclusivamente de graça para todos os escravos do municipio de Bom jardim.
O intendente nomeado pela monarquia como interventor quis que o coronel assumisse o papel de juiz. Mas ele recusou afirmando que não era sua vocação queria contribuir com a sociedade, mas de forma voluntária, sem qualquer vinculo político.










 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 29/01/2018
Reeditado em 29/01/2018
Código do texto: T6239320
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