O sorriso enigmático
Na fila do supermercado, uma moça ao lado não tirava os olhos de mim. Tinha um sorriso enigmático. Fiquei sem graça, olhei para os lados para ter certeza que a coisa era mesmo comigo. Era. Respondi o sorriso num outro um tanto mais fechado,nada de luz nos olhos, esticada no canto da boca, nada. Queria demonstrar que sou casado, um homem sério, pai de família e que em nenhum momento percebi o perfil perfeito embaixo daquele sorriso encantador. Ela continuou sorrindo e perdi o rebolado, deixei cair o pote de Tarantella. Os tomates se esparramaram pelo chão. Ela correu ao meu socorro. Percebi que não fosse loira original, mas mesmo assim o dourado dos cabelos me castigou. Nos levantamos e erguemos os olhos ao mesmo tempo. Ela tinha a minha mesma altura e um belíssimo par de olhos castanhos. Rapidamente, sem me dar tempo de reação, colocou no bolso da minha camisa um pedaço de papel e partiu em retirada, linda, desviando das prateleiras numa sensacional caminhada em forma da letra S. Fiquei um bom tempo contemplando o nada, tentando entender. Perguntas surgiram na minha mente: será que ela não percebeu a minha aliança? Não desconfiou que tenho idade para ser seu pai? Será que ela é de escorpião? Um tanto afoito apertei o papel no bolso da camisa, descobri que era um cartão. Ah, certamente uma prostituta - pensei - mas não amassei o cartão, pelo menos por enquanto. Paguei a conta, ajeitei os embrulhos, fui saindo de mansinho, aos poucos retirando até ao alcance das minhas vistas o cartão: em letras bonitas, estava escrito: Doutora Carol de ‎Avellaneda, dermatologista, especialista em implante de cabelos.
Joguei fora o cartão, tinha pressa pra fazer meu macarrão...