BRIGA DE BAR

Betão foi meu primo, famoso e valente - um típico "caipirão" brasileiro; só estudou até a 3° série primária e na roça encontrava sua maior expressão existencial. Isso dada as dificuldades que era, em 1980, sair da zona rural para ir à escola, sempre situada nas cidades - fazendo, por este imperativo, a "caneta enxada" ser a que escrevia no sulco da terra o destino de um varão, como Betão foi.

Nasceu dentro de uma família de pequenos agricultores, os quais tinham gado e lavoura para o sustento dos numerosos filhos e netos, numa cidade pequena do Interior.

A cidade era Rio Verde de Mato Grosso, onde corre um lindo conjunto de cachoeiras.

Na propriedade de Betão e irmãos corria riacho ao fundo, o qual movia moinhos e pilões que amassavam arroz, milho e farinha de mandioca. Nas margens do riacho também havia bom barro, que deu matéria-prima para fazer cerâmicas muito bonitas, como vasos e panelas.

Em Nossa Senhora ele era temente demais, sendo Betão o mais velho dos irmãos, os quais encontrávamos sempre nas festas de fim de ano - nós, os parentes da cidade grande. Era uma alegria ir na olaria da família de Betão, que tinha muito milho para fazer pamonha e tinha cana para moer e tomar garapa.

Numa das festas da família, aniversário da sobrinha de Betão, comemos churrasco de fogo de chão, cavado em vala, durante 3 dias, ao ponto deu ficar com o ácido úrico nas alturas. Garapa de cana então, quase matou minha mãe de alta de glicemia, mas não tinha como não se esbaldar.

Bebi demais café com leite tirado da vaca, saído direto da teta, no curral, às 7 da manhã. Nós ficávamos acampados sempre na pequena fazenda da família de Betão, no natal e ano novo.

Muitos dos irmãos de Betão foram para cidade, mas Betão ficou na lida com o pai, seu Zé - andando de bota cano curto, calça jeans surrada e camiseta furada de propaganda de algum político.

Betão começava o dia às 5 horas da manhã: sua lida na fazendinha. Tomava um banho frio na bica da fazenda, que o tirava da inércia, por choque entre corpo quente e água fria saída da pedra úmida. Depois comia o "quebra torto", ou seja, uma boa pratada de arroz, feijão e carne seca frita na banha de porco.

Como sua mãe, Dona Clemente, Betão tinha boa relação, sempre lembrando de trazer água benta da Igreja de Nossa Senhora, quando ia a cidade perto da fazendinha, de charrete, levar os produtos colhidos para vender.

Dona Clemente com tanto amor os filhos criou, que todos voltavam, onde estivessem, para seu aniversário, fazendo a fazendinha lotar de carros, estacionados aleatoriamente no pasto.

Eram 10 irmãos de família valente, criada com leite caipira e farinha de mandioca, fora a fartura de carne de boi, porco e galinha caipira.

Caçar era então só alegria, para Betão e os irmãos. Iam para a mata com 4 cães mestiços de fila brasileiro, que Betão criava dando resto da matança do gado ou dos porcos da propriedade. Criava com brutalidade, sem muito carinho, para que os cães ficassem bons caçadores, bravos, além de serem bons pastoreadores de gado.

Certa vez um dos cães comeu ovo do galinheiro de Betão, que ferveu 7 ovos, pelando, e os colocou garganta a baixo de um dos filas: nunca mais entrou para assaltar as galinhas poedeiras.

Berne de cão, Betão arrancava mordendo o lombo dos filas: mostrando valentia para quem quisesse ver.

Mas cedo demais Betão partiu pois a sorte o traiu aos 37 anos, numa briga de bar, que nem sua foi, mas de outro varão.

Por causa do irmão, Betão foi a cidadezinha, para resolver briga, e terminou dentro de um caixão.

Morava em Rio Verde, Mato Grosso do Sul, lugar de pedras e águas cristalinas, que correm como numa escadaria de rochas esculpidas por Deus.

O dia era junho, os anos oitenta, e Tia Clemente nem hoje aguenta, sentindo tristeza ao ver a cama de Betão arrumada. O quarto é seu oratório, onde pede que o filho volte do céu - o que nunca aconteceu.

Quem conhece a vida, às vezes não pensa, que basta estar vivo para que as falanges do mal tramem nossa morte, numa ocasião qualquer.

Que a sorte se muda, num sopro de pena, como foi a sorte de Betão, que tinha medo de cidade grande, por causa do fluxo de caminhão e das escadas rolantes, que lhe causavam pavor.

Estava a tarde de banho tomado, de dia havia mexido com gado.

Ia jantar e dormir, pois estava cansado - ia comer uma sopa de macarrão e pão, com galinha e batata.

Panela no fogo Betão deixou. Luzia, sua esposa, lhe fez um café.

Betão rezou no altar, pois era de fé, para ir dormir na sua cama com colchão de palha. Havia nela pinico escondido e lamparina para usar, se precisasse: usar o banheiro de fora da casa, na escuridão da noite ou na luminosidade da lua cheia.

Ia descansar, não ia pro bar, pois, às vezes, gostava de sentir o aguardente queimando ao correr entre a garganta e o bucho.

Bar da esquina, do Seu José, a poucos quilômetros da fazendinha de Betão e sua família.

Zecão seu irmão, era leiturista de luz, da empresa do governo.

No bar parou e briga arrumou, e entrou em desespero.

Mexeu com mulher de homem casado.

Foi na casa de Betão que estava cansado.

Chamou seu irmão que revólver pegou.

Pois murro na cara Zecão tomou.

Betão disse:

- Onde se viu dar tapa em homem. Em homem não se bate na cara não.

Assim que disse, meu primo Betão.

Mas os dois não sabiam que a sorte mudou toda sua direção.

Zecão chega na fazendinha com a caminhonete da empresa de luz.

Betão entra nela, com seu 38.

Ao chegar na frente do estabelecimento do homem que havia dado o tapa em Zecão, a caminhonete de Betão parou.

O problema todo era que o ciumento, no alto de uma árvore trepou, pois sabia que seria vítima de emboscada e tomada de satisfação.

Os dois irmãos não viram, ai que ferrou.

Ao darem as costas dentro do bar, o ciumento nas costas dos dois atirou.

Um irmão caiu, o outro morreu.

O velório de Betão foi no dia seguinte. Carreata seguiu o caixão até o cemitério.

Os irmão juraram de morte o dono do Bar. O delegado, temendo exu, mandou trazer mais policiais da capital. Mas nada aconteceu.

Quatro anos depois, o dono do Bar morreu, assassinado numa emboscada com carro de homens encapuzados: e mais uma vez, a família do dono do Bar, jura que iria se vingar.

LUCIANO DI MEDHEYROS
Enviado por LUCIANO DI MEDHEYROS em 07/01/2018
Reeditado em 24/02/2020
Código do texto: T6219820
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