Vovô Hashid e o Homem do Mar
Esperando a barca deitaram-se ambos à sombra da margem gramínea e, por muito tempo, olharam em silêncio as rápidas e turvas ondas do mar do Mar Vermelho que aos seus pés repetiam o seu quebrar. Bionda rapidamente adormecera com o barulho das ondas que se propunham a dispersar, mas vovô Hashid não conseguia se entregar.
Sentindo uma forte dor comprimida no peito, o velho vulto ossudo se levantou e olhou para Bionda que há muito já dormia. Teve a certeza de que não muito distante estava o fim dos dias, senão para o término do mundo, para o dele próprio.
O Vento que soprava seus cabelos, ultrapassava as roupas e levava consigo areia da praia, que voando distante mudava de cada grão o destino e a certeza de onde iam chegar. Vovô Hashid fechou os olhos e deixou que o vento soprasse seu rosto e assanhasse seus cabelos, abriu os braços e deixou-se tocar por aquele vento oportuno que mudava os grãos de lugar.
Do fim da praia apareceu um homem que trazia algo nas costas, tinha um chapéu tipo chinês na cabeça e caminhando vinha, enquanto o vulto ossudo quase se deixava pelo vento levar. Bionda, nesta hora acorda e se põe sentada a olhar a imensidão do mar. Um dia de inverno, tão importante e também diferente, pois se via como nunca o sol brilhar.
Bionda olhou vovô Hashid e viu seus olhos abrirem e os braços abaixar, mais à frete, à altura da cintura do velho, bem distante, o homem que vinha e vinha num passo constante e objetivo de seu caminhar. Bionda observou e apontou a vovô Hashid, que simplesmente se pôs a olhar.
O homem que vinha e caminhava ao barulho das ondas, sob o sopro do vento e na imensidão daquele mar, percebeu Bionda e vovô Hashid e parou de caminhar. Olhando-se por quase um minuto continuaram ambos parados no espaço diante do mar.
Bionda transferiu o olhar ao vulto ossudo que insistia em observar. O homem novamente caminha num compasso provocante, porém mais devagar. Vovô Hashid olhou para Bionda e com um gesto a pediu para levantar. Bionda recolheu as tralhas e novamente fez-se pronta.
Olhando para frente, observando aquele mar, o velho tomou distância e cortando o vento se pôs a andar. Bionda, olhando o homem, seguiu atrás do velho que num velho chinelo de couro ajudava mais ao vento a mudar outros grãos de seu lugar.
Mais próximo da praia, Hashid parou de andar. Esperou por Bionda e observou o homem que cada vez mais lento se dispunha a caminhar. Quando Bionda tomou seu lado, Hashid parou de olhar. Novamente olhou para frente, para os olhos de Bionda, e para o lado esquerdo começou a caminhar. Bionda o seguiu sem nada falar.
Caminharam a tarde toda sob o barulho das ondas e o sopro do vento que vinha do mar. Ambos se tornavam mais amenos à medida que o sol propunha a todos irem se deitar. Diante da imagem de muitos coqueiros que na margem gramínea insistiam em balançar, Hashid continuava mudo com uma secura fixa no olhar.
Bionda, que já estava cansada de tanta areia deslocar, protelou sua chegada para da própria areia se livrar. Jogou seus trapos velhos e sentou-se quase que diante para o mar. Enxugou o suor do rosto e seguiu as pegadas que sumiriam com o avançar das ondas do mar.
Ela olhou distante e viu mais acima o mesmo homem que os observara quando estavam a descansar. Ele seguia o mesmo rumo em que eles se propunham a caminhar. O homem diminuiu o passo e andou mais devagar. Quando Hashid olhou para trás, ele chegou a parar.
Novamente ficaram ambos, durante vários segundos, simplesmente um ao outro observar. Hashid sentia o vento cada vez mais leve, porém um inconstante frio começava a chegar. Bionda, um pouco nervosa, levantou a Hashid o seu olhar. Ele, porém, continuava fixo, parado, no mesmo lugar.
Ela fez menção de saída e Hashid puxando o braço dela a impediu de continuar. Como quem pergunta e não contesta, ela simplesmente se dispôs a o observar. Vovô Hashid olhava fixo para o homem no mesmo lugar. O Vento soprou mais alguns segundos enquanto o sol insistentemente se despia de seu ardente brilhar. Na areia um passo à frente de Hashid iniciou o seu voltar.
Do outro lado, o homem estranho que os seguira até ali, sem descansar, iniciou num passo lento o continuar de seu caminhar. Bionda, assustada com a atitude de ambos, apressadamente arrumou as tralhas e atrás de vovô Hashid ela correu sem dispersar. Ambos os homens aumentaram os passos e cada vez mais rápido se propuseram a se encontrar. Num tom muito apressado, e com frenética firmeza no olhar, se encontraram ambos um de frente ao outro, diante do mar. Bionda parou atrás com muitas questões em sua face e também em seu olhar. Os dois olharam-se fixo sem uma palavra comentar.
Então o homem abriu os lábios e perguntou:
- O que quer o senhor de mim?
E Hashid disse:
- Nada, eu procuro a barca que já vai passar.
- Nenhuma barca passa por aqui há mais de anos. É esquecido este lugar.
- Procuro a barca do destino, ela não passa em qualquer lugar.
E olharam-se ambos, sem uma palavra comentar. Bionda nada disse, só se dispôs a escutar. Estático, sem uma piscada, o velho vulto ossudo perguntou:
- Por que me persegue até aqui sem parar?
- Ando nos passos daqueles que procuram algo encontrar.
- Me leve então a um lugar bonito, onde eu possa ter paz e onde eu possa repousar.
Após uma longa pausa o homem disse:
- Este lugar não existe em vida, só depois da morte é que se pode encontrar.
Neste momento em que o sol se cobria com os lençóis daquele mar, o velho levantou a mão enrugada e então disse:
- Estou disposto a encontrar.
E o homem de olhar seguro não tirou os olhos do seu olhar. Estendeu a mão esquerda ao velho e sumiram ambos na direção do mar. Bionda nada fez a não ser chorar até conseguir ter, em seus olhos, somente a imensidão do céu e as pegadas de Hashid e daquele homem que juntas sumiram na direção do mar.