A mangueira de Dona Usura

Bem em frente à uma casa vizinha a nossa, havia uma frondosa mangueira. No verão, quando os frutos amadureciam, a dona, dominada por uma obsessão doentia, transformava as mangas em frutos proibidos. E passava a vigiá-las o tempo todo sentada em uma cadeira. Como um cão de guarda, não permitia que subíssemos na árvore ou apanhássemos as mangas maduras que caiam. Só se retirava quando a noite chegava e nós tivéssemos retornado a nossa casa. Quando não podia nos vencer, ia se queixar aos nossos pais, que lhe davam razão, e nos castigavam, mesmo sabendo que ela sempre levava a melhor na guerra das mangas. Por isso demos lhe o nome de Dona Usura.

Mas um dia, que sempre há um dia, Numa tarde de domingo do mês de novembro, tudo mudou, tristemente. O dia amanheceu quente, o sol brilhava. De meio dia para tarde, o céu azul se encheu de nuvens e. em pouco tempo escureceu. O sol dessa- pareceu. Nuvens negras e baixas corriam impelidas por um vento que logo produziu uma forte ventania, enquanto a chuva fina que o acompanhava foi se transformando num temporal. Os ruídos do vento, os raios e trovões assombravam a todos. O primeiro trovão estourou ali perto, confirmando a tempestade. Galhos arrancados pelo vento voavam para longe, enquanto as enxurradas espalhavam-se cobrindo as ruas, transformando-as em um grande rio. Ela sorria, pensando nas muitas mangas maduras que apanharia depois da chuva. Mas, sobressaltava-se quando um relâmpago seguido de um novo estouro clareava a rua. Encolhia os ombros e chamava o nome de um santo.

De repente, um clarão azul rasgou o céu de cima a baixo e explodiu num estalo ensurdecedor em cima da mangueira. Seu coração deu um salto. Tudo ficou escuro e seus olhos assustados ainda viam o clarão do relâmpago que a deixou ofuscada por alguns segundos. Aquele raio ao cair em sua mangueira, arrancou galhos e ainda matou um burro que estava amarrado no tronco. Ao ver o que tinha acontecido, ela empalideceu, antevendo o fim da sua árvore querida. Pelo resto da noite, que se encompridou e custou amanhecer, não dormiu, mas vagou pela casa sem sossego.

Passaram se os dias e as folhas verdes e sedosas da mangueira começaram a amarelar. E nos dias que se seguiram, seu sofrimento aumentou ao ver as folhas amareladas, secarem e caírem. Enquanto a árvore morria a sua exasperação se acentuava e refletia-se nos seus mais simples movimentos. Pouco saia do quarto, aperreada, nervosa, encabulada com o sofrimento de sua mangueira, Não aparecia mais na porta da casa, nem de dia nem de noite, para não ver sua mangueira morrendo. Não se alimentava mais. Tomava o café da manhã e quase na-da ela aceitava. Não queria mais nada só queria a sua mangueira de volta.

Um ano depois, a mangueira estava morta. Transformara-se num monstro disforme e seco, não lembrando em nada aquela árvore frondosa que nos atraía com seus frutos amarelos, proibidos, e consequentemente, tantas surras nos cau-sara. Até que um dia, vieram os homens da prefeitura cortaram a mangueira e levaram seu tronco e galhos para serem queimados. E ela, a dona, nunca mais foi vista na porta sua casa.