O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 29º EPISÓDIO

Foi a primeira vez que durante uma semana, os trabalhos ficaram a cargo dos escravos sem nenhuma supervisão. No entanto fluíram muito bem sem a presença de Nicó. Ele dedicou seu tempo exclusivamente aos visitantes, rendendo aos desejos das duas crianças e de Eugenia, o que muito o agradou.
Sábado após o farto café da manhã chegou a hora de dar adeus. Eugenia sua mãe e seus dois filhos fizeram questão de abraçar Inácia e as mucamas agradecendo pelo tratamento impecável que lhes dispensaram, embora sobre olhares de reprovação, desferido pelos dois coronéis. Menosprezando aquele gesto de gratidão para com as escravas.
Nicó permaneceu no refeitório, enquanto os demais foram preparar para partir. Oportunamente Inácia o perguntou:
-- Intão Nicó parece que voismicê ta gostano do fais de conta qui ieu ideei pra voismicê, tá mais alegre fais tempo qui nun anda de cara boa desse jeito né memo?
--É verdade Inácia voismicê é meu anjo de guarda, ieu nem vi a semana passá, hoje é dia do pessoá i simbora ieu já tô sintino farta deze, principarmente do Nerso mais Celinha qui nun disgrudô de mim hora niuma.
-- Da mãe deze tumem né memo, num percisa iscondê, ieu vi cumo ela devorava voismicê cum aqueze zóio de jabuticaba madura, né verdade?
-- Ah Inaça ieu nun vô negá qui gostei dela, ma quando lembro de Dusanjo fico imaginano qui o lugá qui tem no meu curação é dela de mais ninguém! Ieu vô lá dissero qui já tão de partida e quero dispide pra num dexá má impressão né memo.

O coronel Tenório admirado com a organização da fazenda, onde os próprios escravos estavam coordenando os trabalhos e com um rendimento jamais visto em parte nenhuma. Elogiou seu colega o colocando lá nas alturas como bom administrador. Mal sabia ele que tudo aquilo, foi graças ao Nicó. Eugenia estava rindo por dentro, ela sabia de tudo. Ao trocar confidencias com Nicó durante aquela maravilhosa semana. Os dois abriram seus corações um com outro num verdadeiro desabafo. Quando aconselhado pela escrava Inácia, Nicó mergulhou fundo na fantasia dos fás de conta e deixou a vida te levar.
Quando ele entrou na sala, os dois coronéis estavam com tudo acertado, ou até melhor dizendo engenhado. Os dois capangas cedidos ao coronel Certorio pelo seu colega chegariam à semana seguinte para assumir os cargos de capataz e capitão do mato. Faltava apenas a melhor surpresa que o coronel reservara para o filho Nicó:
- Óia Nicó ieu cumo vosso pai tumei a liberdade de pidí a mão da fia do coroné Tenório in casamento pra voismicê, quero qui cunfirme meu pidido pra qui pudemos marcá a data do casoro!
--Voismicê sabia disso Eugenia?
-- Eu? Estou tão surpresa quanto vosmecê Nicodemos!
-- Bão voismiceis pegô a gente se surpresa, ma ieu cunfesso qui tô gostano de Eugenia, ela qui vai dicidi se aceita essa arapuca qui voismiceis dois armaro pra gente!
--Um mumintinho Nicó, o pidido é pra voismicê casá cum a Quintina, minha fia mais véia, na minha famia é assim primero casa a mais véia, Eugena já disobedeceu uha veis nun vai interá duas não!
-- Quintina? Cumo qui ieu vô aceitá isso se nem aqui ela veio, ieu nun cunheço, isso tamem é nome de batizá gente?
Nicó olhou com profunda tristeza para Eugenia, despediu dela e de sua mãe, abraçou as crianças e lhes desejou boa viagem. Saiu sem nem olhar na cara do coronel Tenório. Seu pai amenizou a situação dizendo:
-Dexa cumigo coroné Tenório ele ta assustado é natural, dispois ieu vô cunvencê ele qui é um bão negoço ele casa cum vossa fia. Voismicê pode prepará o lado dela qui nóis vamo casá os dois.
O coronel Tenório seguiu sua viagem, levando junto o escravo Isidoro em uma montaria e conduzindo mais duas para o capataz e o capitão do mato, que viriam prestar serviços em Morrinhos cedidos por ele, ao coronel Certorio.
Nicó decepcionado foi confidenciar com bastião e Inácia na cozinha da casa grande:
--Veja bem Inácia, ieu fui lá dispidi do pessoá cua mió das intenão pra meu pai istragá tudo de bão qui acunteceu essa semana, esse coroné Certorio é memo um dismancha prazer Inácia!
--Ma o qui acunteceu Nicó parece qui voismiceis tão inté se dano bem!
--Acridita qui ele pidiu a mão da fia do coroné Tenório in casamento pra mim, sem mim consurtá!
-- Ah má parece qui voismiceis nascero um pru Oto, voismicê num vai arrependê, se casá cuela vai fica bem sirvido!
--Se fosse cum ela Inácia, tudo bem, ieu até pudia tentá, ma o pidido é Cuma tar de Quintina fia mais veia do home qui tá incaiada vê se pode Quintina, num tivera nem coraje de trazê ela aqui, ieu tô arrasado, Bastião voismicê sela um cavalo, vai mim fazê um favô, vai lá à Bocaina prusiá cum Prudêncio, seis dois são amigos, vai lá pidi pra cunvencê Dusanjo e o pai dela pra mim recebê, conta pra ele tudo qui acunteceu aqui essa semana qui tô a bera da locura e priciso apoio deze.
-Nicó sabe quar vai sê a reposta qui vão-te mandá--, vão dizê qui num tem nada cum sua vida qui num é pobrema deze qui voismicê qui resorva seu perrengue! Apruveita qui meu pai foi visitá o Terenço La do ribeirão, fais isso pra mim!
--Nicó! Nicó! Voismicê cunhece vosso pai! Vamo fazê diferente Chico Bento tá ino no Bom jardim a mando dele. Pede pra ele sê mais ligero e na vorta passá pru La, passá não i lá. É mió, vosso pai num pricisa ficá sabeno, i nois num vamo tumá sua chibatada. Voismicê sabe disso. Ele num perdoa a gente memo, se lembra da urtima veis ele falô inté in te matá
-Tá bão intão trais o Chico Bento aqui vô ispricá ele tudinho, cumo vai sê o recado.
Chico Bento recebeu a instrução repassada por Nicó, Inácia lhe entregou um enorme cesto de bambu, repleto com diversas iguarias, coberto por um pano e exalando um cheiro delicioso, daqueles de dar água na boca. Ele o colocou na carroça e seguiu em sua missão. Nicó vendo aquilo perguntou:
-- O qui ele tá levano naquele balaio Inácia?
-- Aquilo é sobra do izagero qui fisemo pras visitas, vosso pai levô bastante pra o Terenço La no ribeirão, mandô levá aquele pru tar do arferes inda tem coisa dimais sobrano.
-E lá pra senzala mandô tumem?
- Mandô não sinhozinho Nicó!
-- Fais o siguinte intão voismicê tira o qui vamo cunsumi pur uns dois dias, a sobra coloca ai nos balaio e leva tudo pra senzala!
--Ah má nun levo memo, pra vosso pai mim matá de chibatada?
-- Arruma tudo ieu vô levá, se ele arripiá o bigode, voismicê conta qui fui ieu qui peguei tudo cas minhas propras mãos e levei. Disaforo os coitado qui tão ai incheno a guaiaca dele de contos de reis ele trata cumo cachorro e prus outro manda levá in casa, pru Terenço ieu até concordo, é pobre i trabaiadô, ma pru tar do arferes, é pra puxá saco memo!

Reunidos na no pátio da casa grande na fazenda Bocaina, estavam coronel Tiburcio, sua esposa Maricota a filha Dusanjo o empalhador de rapaduras velho Miro, Venâncio e Maneco. Discutindo a respeito dos trabalhos, a partir do dia seguinte segunda feira. Venâncio sempre com o ouvido no assunto do grupo e olhos na pastagem no entorno da sede atento a um ataque do boi pretête, que o perseguia de longe, embora nos últimos dias pareceu-lhe haver uma trégua entre ambos, depois de seu contratante o coronel Certorio ter suspendido sua execução de vingança temporiamente.
Quando o relógio de sol instalado no pátio sinalizou três horas da tarde, Prudêncio entrou no pátio dizendo ao coronel que um mensageiro vindo das bandas do Bom Jardim trazia–lhe um recado Confidencial. O coronel dirigiu até ele na área externa do curral e o cumprimentou:
--Boa tarde voismicê vem da parte de quem?
--Boa tarde coroné ieu sô Chico Bento iscravo da fazenda Morrinhos ieu tô aqui a mando do fio de coroné certório, ele mandô improrá, o sinhô, mode marca um dia pra ele tê ua prosa cum o sinhô junto cum vossa famia. O mutivo ieu o ispriquei ai pru Prudêncio, passa pru sinhô cum os detalhes.
--Diga lá pra seu Nicó pra vir aqui na quarta feira!
O escravo agradeceu, despediu educadamente e tomou seu caminho de volta. Prudêncio que havia acompanhado o coronel o contou com detalhes, o que ouviu e que foi recomendada. Ocorrida naquela manhã de sábado envolvendo o pedido de casamento feito pelo coronel Certorio para o filho. De volta ao pátio o coronel Tiburcio Comentou:
-- O mensagero é da fazenda Morrinho, é Nicó inssistino in acabá quessa mar querença de famia ieu marquei a prosa cuele pra quarta fera.
Venâncio antenado na conversa encheu de curiosidade, mas sem perguntas, para não despertar suspeita, seu encontro com o coronel Certorio deveria ocorrer no dia seguinte em seu esconderijo.
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 02/12/2017
Reeditado em 02/12/2017
Código do texto: T6188143
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