O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 28º EPISÓDIO


Ainda falavam sobre as incertezas que o filho carregava a respeito do diabinho do pai. Quando ele apontou o dedo indicador para a estrada à margem do curral:
--Veja o qui tá passano aculà inaça, qui carruage bunita de quem será?
Xii! Virô pra Nicó! Oh... Cum certeza é a visita qui vosso pai ispera!
-- Será? Num mim lembro qui meu pai o Coroné Certorio tem amigo dono de um trem chique desse jeito não! Vai lá Inaça o avisa, ieu tô, é cascano fora vô lá na senzala prusiá cus iscravo, quero sabê de visita de luxo mais é nada!
- Fais isso não Nicó Voismicê é moço iducado, num pode disfeitiá os qui vem in vossa casa não!
--Ieu num vô disfeitiá ninguém não, ma os cunvidado é de meu pai ele vá recebê vai La chama ele ieu tô ino potra banda vissi!
Ao entrar na sala, Inácia encontrou o coronel, ele já estava indo na direção do curral ao encontro dos visitantes.
Obedecendo a recomendação do dia anterior para quando as visitas chegassem, Inácia foi ajeitar a mesa, com as fartas iguarias preparadas por ela durante toda a semana. Quitandas, queijo, requeijão doces de leite, de frutas, café e leite em abundancia. Dirigindo ao encontro da carruagem o anfitrião todo sorridente estendeu a mão:
--- Bom dia coroné Tenório, bom dia pessoá, cumo passaro à noite, fizero uma boa viaje? Seje voismiceis todos bem vindos!
-- Bom dia coroné Certorio. Responderam todos ao mesmo tempo. Estendendo a mão ele ajudou as mulheres e um casal de criança a descerem da carruagem, abraçou seu colega Tenório, e orientou ao cocheiro encostar a carruagem junto à porta para descarregar as malas. Duas mucamas viram rapidamente recolheram as malas e convidaram todos a acompanharem--nas aos aposentos. Instalando o coronel Tenório com a esposa em um, Eugenia sua filha e o casal netos, em outro aposento, com diversos leitos. Em seguida foram todos conduzidos para a copa usada também como refeitório, para um suculento café da manhã. O ritual da recepção foi impecável, pareceu ter sido ensaiado antes.
Isidoro o cocheiro de Morrinho orientado pelo coronel Certorio, se juntou ao cocheiro condutor do visitante, desatrelaram os animais da carruagem. Quatro belos corcéis brancos. E foram cuidar deles na Bahia da fazenda. Na sequencia Juca o cocheiro do coronel Tenório acompanhou Isidoro à cozinha da senzala a procura de alguma coisa pra comer:
-- Bom dia binidita, nois quiria qui voismicê ranjasse o de cumê mode nois quebra o jijum, pode sê?
-Bom dia Isidoro, tem pronto não, ma gurica memo sai quarqué coisa, quem é o cidadão qui vos acumpanha?
-- É Juca iscravo de coroné Tenório é o cochero qui vei trazê ele mais a famia, mode passá a semana aqui in Morrinho!
 Nicó estava conversando com os escravos, ouviu a prosa e perguntou:
O coronel Tenório tá ai Isidoro? Oh binidita voismicê num vai prepara nada de cumê preces dois ai não. Brigado pur a boa vontade, eze vão quebrá o jejum é lá cuzinha da casa grande. Qui abuso esse! Foi meu pai qui deu orde pra voismicê trazê ele aqui Isidoro:
--foi sim sinhozinho. Ele preparô nois a semana tudinha mode num dá nada errado, falô cas visita era gente muito importante e qui ái de nois se num saísse do giitinho quel mandô e qui nun prusiasse nada cum voismicê. Pruquê vai tê uha surpresa boa, mais essa é pra voismicê. Ma pelamordideus sinhozinho nun dexa ele sabê dessa mossa prosa não sinão El vai mim matá de chibatadas.
-- Priocupa não Isidoro num vai acuntecê isso não, mim acumpanha, voismicê tumem Juca, vamo lá na cuzinha. Ah coroné Certorio voismicê inda vai pagá pur tudo isso, ondé qui já se viu prepará o de cumê semana intera pros rico e mandá dois pobres caçá o de cumê cuma coitada mais pobre ainda. Tumara quessa nossa monarquia acaba de veiz cua essa iscravidão. Pra qui esses tar feudais vão cumê do pão cu diabo amassô pra aprendê qui sumos tudos iguais e qui os pretos são gente muito mió qui muitos brancos cumo eze.
Nicó levou os dois escravos à cozinha sentou com eles à mesa, pediu que a mucama Vicença os servisse da mesma forma que serviram os visitantes. Assim que terminaram de se alimentar, os dois escravos se retiraram. Bastião entrou na cozinha onde só ele Chico Bento e o cocheiro Isidoro tinha livre acesso, até mesmo alguns escravos já idosos que pertenceram aos antepassados do coronel nunca botaram os pés por lá, não era permitido.
--Oia Nicó já percurei voismicê pru toda parte num te acho, vosso pai ta chamano pro voismicê lá nasala de visita.
--Oia bastião diga lá pru meu pai qui num vô lá nem amarrado ma num vô memo.
--Fais isso não Nicó as visitas num tem curpa de voismicê tá maguádo cum vosso pai, vai cumprimenta todo mundo, fais um sacrifiço. Fais dessa semana cumo se fais no paraíso do fais de conta inventa uhas fantasias qui seja do agrado de vosso pai, quem sabe voismicê possa inté gostá e a coisa muda cum os dois. Se num mudá, dispois quesse povo fô simbora. Voismicê vorta pra realidade, quem sabe isso num dá certo!
--Inaça sabe duma coisa ieu já num fui simbora daqui pru causa do amor qui tem pur voismicê, Indesde qui mainha morreu ieu vejo ela in vossa pessoa, ieu vô pega no seu conceio e vô fazê tudo do jitinho qui mim insiná, ma vai sê só essa semana viste! Dispois ieu num vô mais tulerá as mardade de coroné de jeito niúm!
Nicó foi ao encontro das visitas. Entrou na sala cumprimentou a todos com um aperto de mão, ao cumprimentar Eugenia, sentiu que ela quase o devorou com um olhar desejo. Ele percebeu, mas manteve indiscreto.
--Como é seu nome garoto? Perguntou ao guri:
--Eu? Meu nome é Nelson, essa é minha irmã Celinha, mamãe é Eugenia, vovó, Eufrásia, vovô é Tenório. E papai coitado, morreu como era mesmo nome dele mamãe?
-- Ah Nelson diga o apelido mesmo filho você não aprende o dele hem?
-- Ah lembrei ele chamava Jerônimo, mas o apelido era professor nimo.
--Ah intão aprendeu falá bunito foi cuele!
--Foi sim e vosmecê como é que chama, ou melhor, qual sua graça?
-Ieu meu nome é Nicodemos, ma tudo mundo fala é só Nicó, voismicê pode falá só Nicó memo!
-- Nicó vosmecê leva a gente para fazer um passeio de carroça?
- A gente quem Nerso?
---Eu Celinha mamãe vovó!
-- Levo com muito prazê, ma pricisa sabê se elas vão querê i tumém!
-- Vai a Eugenia mais os minino eu fico vô discançá da viaje!
-- Tudo bem mãe, eu acompanho e a senhora até o quarto!
--Nun pricisa ieu tô bem só cansada cua viaje, voismiceis tão novo pode i passiá à vontade.
Chegando ao curral a carroça já estava preparada, Nicó perguntou a Isidoro:
--Voismicê vai sai de carroça Isidoro?
-- Nun; preparei pra voismicê, vosso pai qui mandô, ele iscuitô dizê qui ia passiá cum o pessoá mandô ieu aprontá ela.
Nicó logo pensou com seus botões:
-- Ai tem coisa esse coroné nunca mim feis gintileza niuma pru que isso agora, deve de tá quereno impricioná o coroné Tenório cuesse fingimento.
As duas crianças assentaram-se num banco improvisado na parte trazeira da carroça de costas para sua mãe e Nicó ocupando o banco da frente. Eugenia não tinha uma grande beleza que chamasse a atenção, mas não era de se desprezar tinha o corpo escultural e perfeito e era bem afeiçoada.
--Qué dizê qui voismicê foi casada cum professô, tá ispricado pru o mutivo de falá tão bunito!
--Na verdade Nicó, não chegamos a nos casar, meu o contratou para me ensinar a ler e escrever, eu acabei me apaixonando por ele, como, era muito mais velho que eu, nós fugimos, e vivemos juntos por doze anos quando ele veio a falecer. Deixou-me este calzinho de filhos que são minha vida.
-- E pru que tivero de fugi?
- Sabe como são esses coronéis machistas, vosmecê tem o seu deve saber perfeitamente!
--Ieu sei memo, má pió qui o meu pai nun ixiste niúm!
--Existe sim isso é porque vosmecê conhece é o seu, mas no fundo são todos iguais!
--Ma cumo vosso pai aceitô voismicê de vorta?
-- Por meus filhos quando os conheceu ele apaixonou por eles e queria levá-los de toda forma. Chegou a brigar na justiça, mas o juiz deu a ele apenas, o direito levá-los à fazenda uma vez por ano, acompanhados por mim. Só assim minha mãe e eu podemos nos ver novamente. Por mim tudo teria sido diferente, mas tenho uma irmã dez anos mais velha que eu, e meu pai não admitíamos que eu casasse primeiro que ela, Jerônimo me pediu em casamento, ele aceitou, quando estava quase tudo preparado, minha descobriu que na hora de dar o sim na igreja quem ia lá estar vestida de noiva seria a encalhada de minha irmã Quintina e não eu. Avisou-me e então nós não tivemos alternativa sinão fugir. Ele nunca soube que foi minha mãe que me avisou de sua armação.
Vivemos muitos anos sem que ele soubesse como e onde nos encontrar. Quando conseguiu, as crianças me salvaram. Ele caiu de amores por eles e desistiu de vingar. Acionou a justiça e foi brigar por eles imaginando que seu dinheiro compraria tudo. Felizmente hoje estamos em paz, embora eu perdesse o amor de minha vida, sabe Nicó minha relação com o meu pai é como espelho trincado por mais que eu me esforce à cicatriz do remendo não desaparece nunca.
--Ieu tumém pirdi minha isposa junto cum mainha de manera triste morreu num disastre junto cum mainha, numa cheia do rio, má nun gosto de falá nisso não!
-Enquanto os dois conversavam sobre seus dramas de vida; alheias àquela prosa, as duas crianças deleitavam deslumbrados com a beleza da paisagem apontando cada detalhe das flores e da diversidade das borboletas que ilustrava com suas cores aquele maravilhoso cenário, obra prima da natureza. Vagarosa a carroça deslizava por aquela via estreita sombreada pelo arvoredo que exalava um perfume delicioso no ar, carregado do mais puro oxigênio isento dos metais pesados que atualmente seja atirada a atmosfera.
Entretidos, quando se deram conta estava há alguns quilômetros distante da sede, aquele foi um passeio sem destino por uma estrada rural que cortava o imenso sertão pouco habitado por seres humanos, mas com suas riquíssimas; fauna e flora silvestre ilustrando a paisagem. Nicó deu meia volta e a mula que puxava a carroça percebendo que voltava para casa acelerou seu trote. No percurso de volta satisfazendo a curiosidade das crianças, ele explicava em detalhes a função da natureza como vivia os animais o ciclo das flores, a importância delas para abelhas na produção do mel, o poder de cura das plantas. Em silencio. Eugenia ouvia e admirava, imaginando que atrás daquele seu linguajar matuto escondia um grande sábio. Ela o degustou com seu olhar de desejo, durante todo o trajeto de volta,mas ele nem percebeu, respondendo a centenas de perguntas das duas crianças. Quando chegou, o sol já declinava vertido par o pente. Famintos foram diretos para o refeitório.
--Puxa cumo voismiceis demorô ieu já tava inté incomodada!
-- Nois saímo sem rumo e sem hora marcada pra vortá Inaça, intretemo cum tanta pregunta desses dois curiosos quereno sabê quem qui infeitô o mundo!
-Ela chama Inácia? É o nome de vovó mãe de meu pai, posso-te chamá de vó Inácia?
--Pode sim Nerso se vossa mãe num se importa!
-- Que isso Inácia absolutamente, mas você não fica dando muita liberdade pra ele não, por que senão ele não te dá sossego. Celinha é mais calma, mas esse ai ninguém aguenta!
-- Dexa cumigo ieu gosto pur dimais, dele ondé qui voismicê aprendeu tanta coisa e a falá bunito ansim Nerso?
--Papai me ensinou, mas agora eu quero aprender é sobre a natureza com este professor daqui oh, o Nicó, hoje ele me deu a primeira aula.







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Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 28/11/2017
Reeditado em 28/11/2017
Código do texto: T6184737
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