COZINHANDO OVOS.
Eram pouco mais de três e meia da tarde. O sol ainda pegava fogo, a casa toda lacrada, e os ares denunciavam algo de sinistro. Há uns quinhentos metros, Betônia varria terreiro, e tomava conta da vida alheia. Escorada na vassoura, falava com a consciência , ai tem! Tem dente de coelho nesta farofa.
Dai em diante deixou de varrer folhas, para varrer a vida do próximo. Se escondeu entre as ralas arvores do pomar, com um só objetivo, arrancar o coelho daquela cartola.
Odorico era um homem digno, dizia em voz baixa, seria a maior mancha do arraial do puxa faca. Perdeu horas e horas , e como o tempo não espera, a noite veio caindo, caindo, até ofuscar sua visão.Tudo perdido, não seria naquele dia, mas uma coisa era certa , onde racha tem batata,dizia ela em seu silêncio.
Veio , ela ,tateando entre as arvores, tropeçando nos desvãos da terra e nos paredões da sua curiosidade.
Na noite que seguiu, não pregou os olhos, revirou no colchão de palha, levantou varias vezes , foi a bica ,tomou água. Era ela, a solteirona , que sua finada mãe prometeu ser beata. Teve segundos de fúria , blasfemou contra o santo nome da mãe. Pediu perdão a Deus. Retornou a cama , apagou a lamparina , e voltou a brigar com os monstros da curiosidade.
Bem antes do dia amanhecer, o café cheirou a casa. O pai pensou, Betônia esta endiabrada, o galo nem cantou, e ela esta na estrada. Quando o dia pegou um pezinho, sem suportar a pressão da alma. Deu então de mexer areias, queria desvendar o mistério das portas e janelas fechadas.
Ao chegar ao terreiro , notou, Odorico amolava a enxada. Ela o olhou, que desperdício. Homem honrado, coitado. Deu de ser notada, raspou a goela, o cão ladrou, e eles se deram em cumprimentos.
Por obséquio, disse ela, a Maricota esta? Com um aceno de cabeça , Odorico indicou a bica. Ela então volteou a casa . Lá estava ela, com seu vestido rodado, o umbigo na bica, cheirando a pecado. Maldita! Respirou , engoliu a curiosidade, e com uma fala suspeita, disse: Bom dia amiga. Maricota , respondeu com um sorriso.Que devo a honra de tão matutina visita ? Preciso de sabão emprestado. É um prazer servi-la , respondeu meio desconcertada.Tal desconcerto botou lenha na fogueira. E sem muita delonga, pouco se falaram, e lá veio a pergunta. Amiga o que fazia ontem a tarde com as janelas fechadas? Maricota , não titubeou na resposta, cozinhando ovos para satisfazer a vida. Betônia , pensou baixinho, sabia, tava na cara. Então Maricota explicou , Odorico queria macarronada. Se despediram, e enquanto Betônia retirava-se, pensava , esta história esta mal contada. Maricota estendeu as mãos e lhe ofereceu dois pedaços de sabão de diquada. E até hoje o mistério da casa lacrada ainda não foi desvendado.